31 janeiro 2023

Da importância do nome dos cães

Teresa Lima Alexandre nascera no Porto, em 1886, filha de um militar e de uma costureira. Manifestara desde cedo uma veia poética, tendo participado em concursos liceais e saraus de declamação para jovens promessas. Assinava os poemas como TLA e tinha uma devoção incansável pelo alexandrino, que lhe vinha, talvez, do apelido, cuja semelhança só podia ser um presságio. Publicou 12 poemas ao longo de 12 meses e retirou-se de cena. Não podia ser de outra forma, porque cada verso também só tinha 12 sílabas métricas; e Jesus doze apóstolos, afirmava ela, como se entre os seguidores de Cristo e o alexandrino houvesse uma ligação cósmica por explicar.

Aos 25 anos, vítima de uma viuvez precoce, viu-se herdeira de dois cães pequenos, de uma moradia com jardim e de um convite para professora primária da escola local. Foi aí que conheceu o Pedro, um rapaz magro, de olhos tristes, voz cansada e 7 anos de idade. Afeiçoou-se ao miúdo a quem oferecia explicações, folhinhas com poesia e cubos de marmelada. O rapaz visitava-a em casa e brincava com o casal de cães, dando-lhes comida e afagos, deitando-se ao lado deles no relvado, deixando-se lamber e mordiscar. Num dia de Outubro tardio, já com o sol a pôr-se no meio de uma grande claridade, disse à professora que fazia um naperon numa cadeira de baloiço: "este cão não é grande!" A professora levantou os olhos, imobilizou o vaivém e respondeu-lhe ternamente, os olhos húmidos de um triste dia: "grande, grande era a Cidade", referindo-se, com nostalgia, a uma Grand Danois que lhe havia sido oferecida em criança. Pedro teve um sobressalto que a professora não conseguira explicar, mas que a perturbou. O naperon requeria atenção e a cadeira exigia impulso, pelo que o mundo continuou na sua rotina e os cães na brincadeira. Mas Pedro fixaria os olhos pequeninos num horizonte demasiado vasto para um rapaz daquela idade.

Teresa Lima Alexandre foi envelhecendo até à idade da reforma. Deixou de ver o Pedro, aquele rapaz magro, de olhos tristes e voz cansada que lhe iluminara os dias curtos de Outono. Continuou a viver no Porto, na sua moradia com jardim, alimentando-se de poesia, de lembranças - e de uma francesinha esporádica. Um dia, sentada em casa, passou os olhos por um desgraçado Coração de Jesus trespassado pelo pecado humano e por um vidro partido. Na telefonia, o locutor anunciava a estreia: Amália Rodrigues cantando Povo que Lavas no Rio, na melodia do Fado Vitória. Quando a fadista começou a cantar, Teresa, a devota do alexandrino e que assinava TLA, assentou a atenção, sem qualquer motivo aparente, numa fotografia de Pedro deitado no jardim com os cães, vestido com uma camisola verde e uma boina de marujo. Foi então que ouviu um verso que a comoveu de forma dolorosa: aromas de urze e de lama / dormi com eles na cama / tive a mesma condição. Imaginou-se-se trespassada por uma lança, não de maldade, mas de memória. Antes de se dobrar como um soluço sentiu ainda a presença do Urze e da Lama, o casal de caniches com que Pedro brincava no jardim. 

JdB                 

30 janeiro 2023

Poemas dos dias que correm

 

Aos Vindouros, se os Houver...

Vós, que trabalhais só duas horas
a ver trabalhar a cibernética,
que não deixais o átomo a desoras
na gandaia, pois tendes uma ética;

que do amor sabeis o ponto e a vírgula
e vos engalfinhais livres de medo,
sem peçários, calendários, Pílula,
jaculatórias fora, tarde ou cedo;

computai, computai a nossa falha
sem perfurar demais vossa memória,
que nós fomos pràqui uma gentalha
a fazer passamanes com a história;

que nós fomos (fatal necessidade!)
quadrúmanos da vossa humanidade.

Alexandre O'Neill, in 'Poemas com Endereço'

29 janeiro 2023

IV Domingo do Tempo Comum

EVANGELHO - Mt 5,1-12
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-Se.
Rodearam-n'O os discípulos
e Ele começou a ensiná-los, dizendo:
«Bem-aventurados os pobres em espírito,
porque deles é o reino dos Céus.
Bem-aventurados os que choram,
porque serão consolados.
Bem-aventurados os humildes,
porque possuirão a terra.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
porque serão saciados.
Bem-aventurados os misericordiosos,
porque alcançarão misericórdia.
Bem-aventurados os puros de coração,
porque verão a Deus.
Bem-aventurados os que promovem a paz,
porque serão chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça,
porque deles é o reino dos Céus.
Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa,
vos insultarem, vos perseguirem
e, mentindo, disserem todo o mal contra vós.
Alegrai-vos e exultai,
porque é grande nos Céus a vossa recompensa».

27 janeiro 2023

Pensamentos dos dias que correm *

Do not despise your inner world

Do not despise your inner world. That is the first and most general piece of advice I would offer… Our society is very outward-looking, very taken up with the latest new object, the latest piece of gossip, the latest opportunity for self-assertion and status. But we all begin our lives as helpless babies, dependent on others for comfort, food, and survival itself. And even though we develop a degree of mastery and independence, we always remain alarmingly weak and incomplete, dependent on others and on an uncertain world for whatever we are able to achieve. As we grow, we all develop a wide range of emotions responding to this predicament: fear that bad things will happen and that we will be powerless to ward them off; love for those who help and support us; grief when a loved one is lost; hope for good things in the future; anger when someone else damages something we care about.

Martha Nussbaum

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* tirado daqui 

25 janeiro 2023

Poemas dos dias que correm

Homens 

Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
Como crianças órfãs
Homens sem fuso horário
Homens agitados sem bússola onde repousem
Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas
Homens que são como a negação das estratégias
Que são como os esconderijos dos contrabandistas
Homens encarcerados abrindo-se com facas
Homens que são como danos irreparáveis
Homens que são sobreviventes vivos
Homens que são como sítios desviados
Do lugar

Daniel Faria

24 janeiro 2023

Da distribuição de funções *

Chamava-se António. Mas também se chamava Ernesto. Nascera a 24 de Abril. Mas também nascera a 25 de Abril. Tinha por alcunha o Comba, mas também respondia se lhe chamavam Che. Tudo dependia, não de uma confusão de conservatórias, de uma desorganização familiar ou do momento exacto atribuível ao parto, mas de uma perspectiva parental. Para a mãe, filha de um ministro de Salazar (o Salazar tardio, gostava ela de referir, como quem fala de um poeta ou de um escritor amadurecido pelos anos e pela vida) o rapaz era António, nascido a 24 de Abril, alcunhado Comba. Para o pai, alentejano, filho de um ganhão, da fome e da vastidão lutada dos campos, o rapaz era Ernesto - por vezes Che - nascido no dia da liberdade. Quando a mãe chamava pelo filho Comba! oh Comba!, o marido grunhia num sarcasmo Tiram... Da primeira vez a mulher não se enfurecera porque não havia alcançado o trocadilho. Tiram, tiram o quê? E o marido, armado do sotaque do Alentejo profundo alisava uma quase calvície prematura. E Comba Dão? Dão o quê?

O rapaz - a quem nos referiremos assim para manter uma certa neutralidade - viveu nesta dualidade permanente: Salazar e Guevara, um minuto antes ou depois do momento que estabelece a mudança do dia. Estava escrito nos astros que se tornaria político. Era uma alma santa - o único qualificativo que unia os pais, embora o termo santa provocasse alguns calafrios num dos lados - e, por isso, nunca optou por nenhum partido. Exibia os seus atributos em casa, fosse solteiro ou, mais tarde, casado, distribuindo funções como se estivesse na presidência do conselho de ministros - ou eventualmente num comité central. A mãe tinha a pasta da educação e dos assuntos sociais, ao pai cabia-lhe as finanças e a junta nacional do vinho. Mais tarde atribuiria à mulher a pasta do turismo e o sector alimentar, reservando para si os assuntos fiscais. E a junta nacional do vinho, claro, que herdou no mesmo dia em que lhe entrou o louceiro pela porta dentro. Vivia assim, convicto da bondade das coligações, do desafio das negociações, da equidade nas responsabilidades. 

A parceria funcionou durante anos, até à maioridade dos filhos. Cheia de uma espécie de síndrome do ninho vazio, a mulher dedicou-se aos estudos: num ano fez uma pós-graduação em fiscalidade e, no ano seguinte, vários cursos sobre enologia, que completava com visitas a caves e frequência de irmandades vinícolas, onde o santo e a senha se circunscreviam às castas. Alguém batia à porta e dizia touriga. Do lado de dentro, encostado a uma porta de carvalho antigo com laivos de sulfito, alguém sussurrava franca. Se fosse cabernet, a resposta certa seria sauvignon, porque se fosse trincadeira a irmandade resguardava-se, como um convento antigo ameaçado pelo infiel. Um dia, o rapaz - António ou Ernesto, 24 ou 25 de Abril, Comba ou Che - percebeu que perdera a pasta dos assuntos fiscais. Um ano depois destruía o legado da junta nacional do vinho, que também entregaria à mulher, recém-especialista em retenções na fonte e em estágios prolongados. Quando deu por si não lhe restava nenhuma responsabilidade. Perdera tudo para o parceiro de coligação.

Certo momento, a mulher não se lembrava se fora a 25 de Novembro ou a 11 de Março, recebeu um sms. O marido comunicava a sua demissão. Não tenho funções, estou imensamente cheio de um vazio enorme, como se o meu espírito albergasse um excesso de carênciasNão voltarei, a minha decisão é irrevogável.  Foram encontrá-lo mais tarde na África profunda - muito profunda - onde constituíra uma ONG ligada às questões conjugais. Ensinava aos casais locais a virtude da distribuição de funções - a fiscalidade, as obras públicas, a saúde, o turismo. Aos homens, de quem se aproximava com um cumplicidade toda feita do mesmo género, só dava um conselho: fiquem sempre com a junta nacional do vinho. Mas não se apeguem muito, que nunca se sabe o dia de amanhã

JdB

* publicado originalmente a 3 de Junho de 2015

23 janeiro 2023

Em memória de David Crosby (1941 - 2023) *

 


Quem tiver curiosidade, pode seguir este link e ver a história por trás da gravação, pelos The Byrds, desta música de Dob Dylan. Atribulada, ao que parece...

JdB 

* enviado por mão amiga

22 janeiro 2023

III Domingo do Tempo Comum

EVANGELHO - Mt 4,12-23

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Quando Jesus ouviu dizer
que João Baptista fora preso,
retirou-Se para a Galileia.
Deixou Nazaré e foi habitar em Cafarnaum,
terra à beira-mar, no território de Zabulão e Neftali.
Assim se cumpria o que o profeta Isaías anunciara, ao dizer:
«Terra de Zabulão e terra de Neftali,
estrada do mar, além do Jordão, Galileia dos gentios:
o povo que vivia nas trevas viu uma grande luz;
para aqueles que habitavam na sombria região da morte,
uma luz se levantou».
Desde então, Jesus começou a pregar:
«Arrependei-vos, porque o reino de Deus está próximo».
Caminhando ao longo do mar da Galileia,
viu dois irmãos:
Simão, chamado Pedro, e seu irmão André,
que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores.
Disse-lhes Jesus: «Vinde e segui-Me
e farei de vós pescadores de homens».
Eles deixaram logo as redes e seguiram-n'O.
Um pouco mais adiante, viu outros dois irmãos:
Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João,
que estavam no barco, na companhia de seu pai Zebedeu,
a consertar as redes.
Jesus chamou-os
e eles, deixando o barco e o pai, seguiram-n'O.
Depois começou a percorrer toda a Galileia,
ensinando nas sinagogas,
proclamando o Evangelho do reino
e curando todas as doenças e enfermidades entre o povo.

19 janeiro 2023

Dos desígnios de Deus

Almoço com amigos - católicos - e falamos de religião: dos santos pelos quais tenho admiração mas não devoção, dos milagres que são os da alma, e não do corpo, de Deus omnipotente, como aprendemos que está - ou não - por trás de tudo aquilo que nos acontece. Falamos também de um certo "politeísmo" (penso que já aqui falei nisto) que é uma devoção pouco credível aos santos. Cada português parece ter o seu santo de eleição, muitas vezes não sabendo porquê, quase nunca sabendo explicar porquê. 

Estranhamente, porque deveria ser ao contrário, pessoas como eu têm uma relação mais desafiante com a religião - ou com a vida. Não é pelo facto de questionar mais, mas pelo facto de não acreditar que Deus está por trás de tudo aquilo que nos acontece e isso, nalguns fóruns, não ser bem percebido. Estranhamente, quem acredita que é assim, só o faz quando o que acontece é bom: se alguém se cura de forma inexplicável, a mão de Deus está lá; porém, ninguém vê a mão de Deus na pessoa que é atropelada na flor da vida. Pessoas que acreditam numa mão permanente de Deus na nossa vida questionam(-se) menos e vivem uma religião toda feita de alegrias. Para elas o milagre não é um acontecimento por explicar, mas um sinal da presença divina. A tragédia faz parte daquilo que alguém referiu como os imperscrutáveis caminhos de Deus. Para essas pessoas a mão de Deus é um instrumento de infinito amor, porque o desamor seria um mistério.

Não tenho a pretensão da verdade. Gostava que me mostrassem que estou errado, não porque isso fizesse de mim um melhor católico, mas porque isso permitiria eliminar uma ideia desagradável: a de que a Igreja Católica - ao longo de muitos séculos - não promoveu a instrução dos seus fiéis, mas alimentou (talvez não a tivesse combatido, melhor dizendo) uma ignorância, uma certa superstição ou crendice. Dir-me-ão que foi por questões de poder, de ascendente sobre o povo, de engrandecimento. Talvez...

A religião tem de fazer de nós melhores pessoas. Se uma novena a S. Judas Tadeu faz do devoto um profissional melhor, um pai mais presente ou um marido mais perfeito, então que se repitam as novenas até à consumação dos séculos. Porém, se a novena tem por objectivo a cura de uma maleita - por mais grave ou injusta que seja - então que pensemos se faz sentido. A cura de uma enfermidade está dependente de muitos factores - socioeconómicos, momento do diagnóstico, estado da ciência, força anímica. Não pode estar dependente da oração, porque há perguntas que ficam por responder. Se o enfermo morrer, isso é sinal de que se rezou pouco.

Rezo pelos "meus" doentes. O meu lado mais incoerente reza pela cura; o meu lado mais "racional" reza para que tenham força para suportar o que tiverem de suportar. Rezo sempre - e vou directo ao "patrão".

JdB 

18 janeiro 2023

Vai um gin do Peter’s ?

A LUCIDEZ TRANQUILA DE BENTO XVI 

Há muitas histórias pessoais com Bento XVI, quase todas a sublinhar a sua timidez, enorme afabilidade, perfil reservado e de bondade cristalina, num conjunto incomum num académico tão brilhante. A escolha da concha no seu brasão papal espelha a combinação rara de humildade num homem sumamente inteligente, aludindo à lenda do santo que mais o inspirou – Santo Agostinho. Este teria encontrado uma criança na praia a levar a água do mar, numa concha, para a uma concavidade escavada na areia. Quando Agostinho perguntou ao miúdo o sentido daquela azáfama inglória, este confirmou-lhe a pior suspeita: queria transferir o Mediterrâneo para a covinha. Volvido o primeiro embate, o Bispo de Hipona percebeu quanto o intento sem nexo se aplicava à sua insistência em esmifrar os mais impenetráveis mistérios de Deus, em especial o da Santíssima Trindade. Sem explicar quais terão sido as suas possíveis ousadias irrealistas, Ratzinger ficou ligado à concha que teria dado a Agostinho a noção dos limites do conhecimento humano. Por junto, identificava-se com a sede daquele santo em compreender tudo aquilo em que acreditava, no fundo, valorizando a importância da razão para iluminar a fé, e vice-versa.      

 

Brasão de Bento XVI

Quando Ratzinger representou a Santa Sé, no 60º aniversário do Desembarque da Normandia (2004), na sua extrema modéstia, acabou esquecido na praia, juntamente com o Cardeal de Paris, Lustiger. Acabaram por ser transportados numa carrinha pão-de-forma da polícia para voltarem à cerimónia oficial! Impressionou a sua bonomia, muito condescendente com aquela gaffe protocolar, que alguns franceses quiseram atribuir à possível francofilia do alemão. 

A repórter do Paris Match para as temáticas religiosas, Caroline Pigozzi, conta como interpelou o então Cardeal Ratzinger, mal o avistou na Praça de S.Pedro. No final da conversa, a jornalista perguntou-lhe as horas, ficando espantada com o tamanho minúsculo do relógio, que comentou com o seu interlocutor. E este segredou-lhe que tinha pertencido à sua irmã Maria, acrescentando: «As horas são importantes… Nunca sabemos, quando seremos chamados pelo Senhor.» 

Diz-se que poucas coisas irritavam tanto Bento XVI como a superficialidade frívola e ignorante, retorquindo que: «tudo tem uma razão de ser e não existe apenas “porque sim”!»  Indo mais longe, por acreditar na sagacidade que a fé confere ao olhar do crente que não limita o universo à matéria, lembrava que o Cristianismo é «sal», e não «açúcar»

No meio dos seus incontáveis escritos e intervenções, é difícil escolher uma pequena amostra das muitas mensagens lapidares que deixou para a posteridade. Seguem algumas: 

MAL & MIRAGENS DO MUNDO 

- «The world offers you comfort. But you were not made for comfort. You were made for greatness»

- «Se ao progresso técnico não corresponde um progresso na formação ética do homem, no crescimento do homem interior (cf. Ef 3,16; 2 Cor 4,16), então aquele não é um progresso, mas uma ameaça para o homem e para o mundo.»

- «Evil draws its power from indecision and concern for what other people think.»

- «Wherever politics tries to be redemptive, it is promising too much. Where it wishes to do the work of God, it becomes not divine, but demonic.»

- «The State which would provide everything, absorbing everything into itself, would ultimately become a mere bureaucracy incapable of guaranteeing the very thing which the suffering person—every person—needs: namely, loving personal concern. We do not need a State which regulates and controls everything, but a State which, in accordance with the principle of subsidiarity, generously acknowledges and supports initiatives arising from the different social forces and combines spontaneity with closeness to those in need. The Church is one of those living forces.” -  na Carta-Encíclica «Deus é Amor».

- «It is when we attempt to avoid suffering by withdrawing from anything that might involve hurt, when we try to spare ourselves the effort and pain of pursuing truth, love, and goodness, that we drift into a life of emptiness, in which there may be almost no pain, but the dark sensation of meaninglessness and abandonment is all the greater.»

- O homem tem um desejo natural de se encontrar com o infinito, com «um além que lhe traga doçura», por outro lado, facilmente cede a «uma espécie de mística anónima» que dá um pouco de alívio, mas não exige um compromisso pessoal. Sem uma resposta individual, fica «uma coisa vazia» e termina-se «na prisão do eu».

TERROR DO NAZISMO NA ORIGEM DA SUA ESCOLHA VOCACIONAL: «Na fé dos meus pais tive a confirmação do catolicismo como um bastião da verdade e da justiça contra aquele reino do ateísmo e da mentira, que o nacional-socialismo encarnou.» 

SOBRE O TERRORISMO: «(revela o) problema do abuso do nome de Deus, em nome de uma religião politizada e tão subserviente ao poder que se torna um fator de poder. (…) (O rosto de Cristo é o de um Deus) que sofre por nós e não usa a omnipotência para regular as realidades do mundo com um golpe de poder, mas vai ao nosso coração e a um amor que chega a morrer por nós.»

NOVIDADE DE CRISTO – O AMOR

- «If you follow the will of God, you know that in spite of all the terrible things that happen to you, you will never lose a final refuge. You know that the foundation of the world is love, so that even when no human being can or will help you, you may go on, trusting in the One that loves you.» – in «Spe Salvi»

- «Seeing with the eyes of Christ, I can give to others much more than their outward necessities; I can give them the look of love which they crave.»

- «Love is the only force capable of changing the heart of the human person and of all humanity, by making fruitful the relations between men and women, between rich and poor, between cultures and civilizations.» – in Mensagem para o 22º Dia Mundial da Paz, a 1.ABR.2007

ESPERANÇA E LIBERDADE

- «To have Christian hope means to know about evil and yet to go to meet the future with confidence. The core of faith rests upon accepting being loved by God, and therefore to believe is to say Yes, not only to him, but to creation, to creatures, above all, to men, to try to see the image of God in each person and thereby to become a lover. That's not easy, but the basic Yes, the conviction that God has created men, that he stands behind them, that they aren't simply negative, gives love a reference point that enables it to ground hope on the basis of faith.»

- «One who has hope lives differently.»

- «Dear friends, may no adversity paralyze you. Be afraid neither of the world, nor of the future, nor of your weakness. The Lord has allowed you to live in this moment of history so that, by your faith, his name will continue to resound throughout the world.»

- «Are we not perhaps all afraid in some way? If we let Christ enter fully into our lives, if we open ourselves totally to him, are we not afraid that He might take something away from us? (…) No! If we let Christ into our lives, we lose absolutely nothing of what makes life free, beautiful and great. No! Only in this friendship are the doors of life opened wide. Only in this friendship is the great potential of human existence truly revealed. Only in this friendship do we experience beauty and liberation. (…)  Do not be afraid of Christ! He takes nothing away, and he gives you everything. When we give ourselves to him, we receive a hundredfold in return. Yes, open, open wide the doors to Christ – and you will find true life. »

VERDADE – acessível? 

- «La vérité ne peut être connue et vécue que dans la liberté, c’est pourquoi nous ne pouvons pas imposer la vérité à l’autre: la vérité se dévoile seulement dans la rencontre d’amour.» – in visita ao Líbano, em SET.2012, na sequência da exortação apostólica pós-sinodal para o Médio Oriente

- «In the course of my intellectual life I experienced very acutely the problem of whether it isn't actually presumptuous to say that we can know the truth - in the face of all our limitations. I also asked myself to what extent it might not be better to suppress this category. In pursuing this question, however, I was able to observe and also to grasp that relinquishing truth doesn't solve anything but, on the contrary, leads to the tyranny of caprice. In that case, the only thing that can remain is really what we decide on and can replace at will. Man is degraded if he can't know truth, if everything, in the final analysis, is just the product of an individual or collective decision.  In this way it became clear to me how important it is that we don't lose the concept of truth, in spite of the menaces and perils that it doubtless carries with it. It has to remain as a central category. As a demand on us that doesn't give us rights but requires, on the contrary, our humility and our obedience and can lead us to the common path.»

- «Truth is not determined by a majority vote.»

- «Jesus has brought God and with God the truth about our origin and destiny: faith, hope and love. It is only because of our hardness of heart that we think this is too little. Yes indeed, God's power works quietly in this world (…). Yet over and over again it proves to be the thing that truly endures and saves.» ― in «Jesus of Nazareth: From the Baptism in the Jordan to the Transfiguration» 

- «Knowing is not simply a material act, since the object that is known always conceals something beyond the empirical datum. All our knowledge, even the most simple, is always a minor miracle, since it can never be fully explained by the material instruments that we apply to it. In every truth there is something more than we would have expected, in the love that we receive there is always an element that surprises us.” – in «Charity in Truth: Caritas in Veritate»

- «Purity of heart is what enables us to see.»

SER HUMANO 

- «We are not some casual and meaningless product of evolution. Each of us is the result of a thought of God.»

- «Each of us is the result of a thought of God. Each of us is willed. Each of us is loved. Each of us is necessary.»

- «The human person finds his perfection in seeking and loving what is true and good.»

IMPORTÂNCIA DA ALEGRIA 

- «Joy today is increasingly saddled with moral and ideological burdens, so to speak. When someone rejoices, he is afraid of offending against solidarity with the many people who suffer. (…) I can understand that. There is a moral attitude at work here. But this attitude is nonetheless wrong. The loss of joy does not make the world better - and, conversely, refusing joy for the sake of suffering does not help those who suffer. The contrary is true. The world needs people who discover the good, who rejoice in it and thereby derive the impetus and courage to do good. Joy, then, does not break with solidarity. When it is the right kind of joy, when it is not egotistic, when it comes from the perception of the good (…).In this connection, it always strikes me that in the poor neighborhoods of, say, South America, one sees many more laughing happy people than among us. Obviously, despite all their misery, they still have the perception of the good to which they cling and in which they can find encouragement and strength. In this sense we have a new need for that primordial trust which ultimately only faith can give. That the world is basically good, that God is there and is good. That it is good to live and to be a human being. This results, then, in the courage to rejoice, which in turn becomes commitment to making sure that other people, too, can rejoice and receive good news.”

IMPORTÂNCIA DO DESCANSO

- «É particularmente urgente no nosso tempo lembrar que o dia do Senhor é também o dia de repouso do trabalho. Desejamos vivamente que isto mesmo seja reconhecido também pela sociedade civil, de modo que se possa ficar livre das obrigações laborais sem ser penalizado por isso. De facto, os cristãos (…)viram no dia do Senhor também o dia de repouso da fadiga quotidiana. Isto possui um significado bem preciso, ou seja, constitui uma relativização do trabalho, que tem por finalidade o homem: o trabalho é para o homem e não o homem para o trabalho.

É fácil intuir a tutela que isto oferece ao próprio homem, ficando assim emancipado duma possível forma de escravidão. (…) É indispensável que o homem não se deixe escravizar pelo trabalho, que não o idolatre, pretendendo achar nele o sentido último e definitivo da vida. É no dia consagrado a Deus que o homem compreende o sentido da sua existência e também do trabalho.»

- «Os discípulos colocaram a Jesus o problema do stress e do descanso. Os discípulos regressavam da primeira missão, muito entusiasmados com a experiência e com os resultados obtidos. Não paravam de falar sobre os êxitos conseguidos. Com efeito, o movimento era tanto que nem tinham tempo para comer, com muitas pessoas à sua volta. Talvez esperassem ouvir algum elogio por tanto zelo apostólico. Mas Jesus, em vez disso, convida-os a um lugar deserto, para estarem a sós e descansarem um pouco.

Creio que nos faz bem observar neste acontecimento a humanidade de Jesus. A sua acção não dizia só palavras de grandeza sublime, nem se afadigava ininterruptamente por atender todos os que vinham ao seu encontro. Consigo imaginar o seu rosto ao pronunciar estas palavras. Enquanto os apóstolos se esforçavam cheios de coragem e importância que até se esqueciam de comer, Jesus tira-os das nuvens. Venham descansar! Sente-se um humor silencioso, uma ironia amigável, com que Jesus os traz para terra firme. Justamente nesta humanidade de Jesus torna-se visível a divindade, torna-se perceptível como Deus é. A agitação de qualquer espécie, mesmo a agitação religiosa não condiz com a visão do homem do Novo Testamento. 

Sempre que pensamos que somos insubstituíveis; sempre que pensamos que o mundo e a Igreja dependem do nosso fazer, sobrestimamo-nos. Ser capaz de parar é um acto de autêntica humildade e de honradez criativa; reconhecer os nossos limites; dar espaço para respirar e para descansar como é próprio da criatura humana. Não desejo tecer louvores à preguiça, mas contribuir para a revisão do catálogo de virtudes, tal como se desenvolveu no mundo ocidental, onde trabalhar parece ser a única atitude digna. Olhar, contemplar, o recolhimento, o silêncio parecem inadmissíveis, ou pelo menos precisam de uma explicação. Assim se atrofiam algumas faculdades essenciais do ser humano. O nosso frenesim à volta dos tempos livres, mostra que é assim. Muitas vezes isso significa apenas uma mudança de palco. Muitos não se sentiriam bem se não se envolvessem de novo num ambiente massificado e agitado, do qual, supostamente, desejavam fugir. Seria bom para nós, que continuamente vivemos num mundo artificial fabricado por nós, deixar tudo isso e procurarmos o contacto com a natureza em estado puro. 

Desejaria mencionar um pequeno acontecimento que João Paulo II contou durante o retiro que pregou para Paulo VI, quando ainda era Cardeal. Falou duma conversa que teve com um cientista, um extraordinário investigador e um excelente homem, que lhe dizia: "Do ponto de vista da ciência, sou um ateu...". Mas o mesmo homem escrevia-lhe depois: "Cada vez que me encontro com a majestade da natureza, com as montanhas, sinto que Ele existe". Voltamos a afirmar que no mundo artificial fabricado por nós, Deus não aparece. Por isso, temos necessidade de sair da nossa agitação e procurar o ar da criação, para O podermos contactar e nos encontrarmos a nós mesmos.» - in «Esplendor da Glória de Deus», p.161, 2007.

INTERVENÇÃO EM AUSCHWITZ (2006)

«O papa João Paulo II veio aqui como filho daquele povo que, ao lado do povo judeu, teve que sofrer mais neste lugar e, em geral, durante a guerra. Hoje eu vim aqui como um filho do povo alemão, e precisamente por isto devo e posso dizer como ele: não podia deixar de vir aqui. Tinha que vir. Era e é um dever perante a verdade e o direito de quantos sofreram, um dever diante de Deus, de estar aqui como sucessor de João Paulo II e como filho do povo alemão filho daquele povo sobre o qual um grupo de criminosos alcançou o poder com promessas falsas, em nome de perspetivas de grandeza, de recuperação da honra da nação e da sua relevância, com previsões de bem-estar e também com a força do terror e da intimidação, e assim o nosso povo pôde ser usado e abusado como instrumento da sua vontade de destruição e de domínio. Sim, não podia deixar de vir aqui.

O nosso grito a Deus deve ao mesmo tempo ser um grito que penetra o nosso próprio coração, para que desperte em nós a presença escondida de Deus para que aquele seu poder que Ele depositou nos nossos corações não seja coberto e sufocado em nós pela lama do egoísmo, do medo dos homens, da indiferença e do oportunismo.

Quantas perguntas surgem neste lugar! Sobressai sempre de novo a pergunta: onde estava Deus naqueles dias? Por que se silenciou Ele? Como pôde tolerar este excesso de destruição, este triunfo do mal? Vêm à nossa mente as palavras do Salmo 44, a lamentação de Israel que sofre: "... Tu nos esmagaste na região das feras e nos envolveste em profundas trevas... por causa de ti, estamos todos os dias expostos à morte; tratam-nos como ovelhas para o matadouro. Desperta, Senhor, por que dormes? Desperta e não nos rejeites para sempre! Por que escondes a tua face e te esqueces da nossa miséria e tribulação? A nossa alma está prostrada no pó, e o nosso corpo colado à terra. Levanta-te! Vem em nosso auxílio; salva-nos, pela tua bondade!" (Sl 44, 20.23-27). Este grito de angústia que Israel sofredor eleva a Deus em períodos de extrema tribulação, é ao mesmo tempo um grito de ajuda de todos os que, ao longo da história ontem, hoje e amanhã sofrem por amor de Deus, por amor da verdade e do bem; e há muitos, também hoje.»

O Papa que, num local de extrema crueldade (Auschwitz-Birkenau, na presença de sobreviventes judeus), interpela Deus perguntando-Lhe onde estava, confirma quanto a fé pode aguçar a atenção ao próximo e dar coragem para se ser porta-voz do que mais aflige a humanidade. Compreensivelmente, tornou-se numa magna oração sobre o sofrimento e o perigo das derivas totalitárias.  

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

 

17 janeiro 2023

Poemas dos dias que correm

Uso a Palavra para Compor Meus Silêncios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel de Barros, in 'Memórias inventadas – As Infâncias de Manoel de Barros'

15 janeiro 2023

Domingo do Tempo Comum

EVANGELHO - Jo 1,29-34

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo,
João Baptista viu Jesus, que vinha ao seu encontro,
e exclamou:
«Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.
Era d'Ele que eu dizia:
"Depois de mim virá um homem,
que passou à minha frente, porque existia antes de mim".
Eu não O conhecia,
mas para Ele Se manifestar a Israel
é que eu vim baptizar em água».
João deu mais este testemunho:
«Eu vi o Espírito Santo
descer do Céu como uma pomba e repousar sobre Ele.
Eu não O conhecia,
mas quem me enviou a baptizar em água é que me disse:
"Aquele sobre quem vires o Espírito Santo descer e repousar
é que baptiza no Espírito Santo".
Ora eu vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus».

13 janeiro 2023

Músicas dos dias que correm

 

Segundo informação do youtube, “Panopticom” é faixa principal de i/o, o primeiro álbum de originais de Peter Gabriel desde 2002. Vale a pena ouvir. Vi-o ao vivo, em Cascais, no ido ano de 1981.

JdB

12 janeiro 2023

Textos dos dias que correm

 

A Idade da Derrota Aceite

Tenho sessenta anos. Não te iludas: não estou ainda bastante fraco para ceder às imaginações do medo, quase tão absurdas como as da esperança e seguramente muito mais penosas. Se fosse preciso enganar-me a mim mesmo, preferia que fosse no sentido da confiança; não perderia mais com isso e sofreria menos. Este fim tão próximo não é necessariamente imediato; deito-me ainda, todas as noites, com a esperança de chegar à manhã seguinte. Adentro dos limites intransponíveis de que te falei há pouco, posso defender a minha posição passo a passo e recuperar mesmo algumas polegadas do terreno perdido. Não deixo por isso de ter chegado à idade em que a vida se torna, para cada homem, uma derrota aceite. Dizer que os meus dias estão contados não significa nada; sempre assim foi; é assim para todos nós. Mas a incerteza do lugar, do tempo e do modo, que nos impede de distinguir bem o fim para o qual avançamos sem cessar, diminui para mim à medida que a minha doença mortal progride. Qualquer pessoa pode morrer de um momento para o outro, mas o doente sabe que passados dez anos já não será vivo.
A minha margem de hesitação já não se alonga em anos, mas em meses. As minhas probabilidades de acabar com uma punhalada no coração ou por uma queda de cavalo tornam-se cada vez menores; a peste parece improvável, a lepra ou o cancro afiguram-se definitivamente afastados. Já não corro o risco de cair nas fronteiras, atingido por um machado helénico ou trespassado por uma flecha parta; as tempestades não souberam aproveitar as ocasiões que se lhes ofereceram, e o feiticeiro que me predisse que eu não me afogaria parece ter acertado. Morrerei em Tíbure, em Roma ou em Nápoles quando muito, e uma crise de sufocação encarregar-se-á da tarefa. Serei levado pela décima ou pela centésima crise? É essa a única questão. Assim como o viajante que navega entre as ilhas do Arquipélago vê despontar, ao entardecer, uma espécie de névoa luminosa e descobre pouco a pouco a linha da costa, eu começo a avistar o perfil da minha morte.
Certas fracções da minha vida assemelham-se já a salas desguarnecidas de um palácio demasiadamente vasto que um proprietário empobrecido renuncia a ocupar todo.

Marguerite Yourcenar, in 'Memórias de Adriano'

11 janeiro 2023

Poemas dos dias que correm

 ANIVERSÁRIO

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu era feliz e ninguém estava morto.

Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,

E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,

De ser inteligente para entre a família,

E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.

Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.

Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,

O que fui de coração e parentesco,

O que fui de serões de meia-província,

O que fui de amarem-me e eu ser menino.

O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...

A que distância!...

(Nem o acho...)

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,

Pondo grelado nas paredes...

O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),

O que eu sou hoje é terem vendido a casa.

É terem morrido todos,

É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!

Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,

Por uma viagem metafísica e carnal,

Com uma dualidade de eu para mim...

Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...

A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,

O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado —,

As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!

Não penses! Deixa o pensar na cabeça!

Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!

Hoje já não faço anos.

Duro.

Somam-se-me dias.

Serei velho quando o for.

Mais nada.

Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

15-10-1929

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).

  - 284.

09 janeiro 2023

Das teorias sobre os amigos *

 Gostava de elaborar uma teoria. O que mo impede? A certeza, à partida, de que a teoria só por mero acaso estará certa: o interesse que manifestamos pelas vidas dos nossos amigos está directamente relacionado, através de um algoritmo por descobrir, com o interesse que temos pela infinitude de aspectos da vida. Isto é, que os amigos são, de uma forma que não se pretende diminuidora, tão importantes como a história da I Guerra Mundial, a física quântica, a pintura flamenga do século XVIII, a realpolitik ou as belezas do lundum.

Imaginemos que eu me interesso por pintura casaque, cinema turco dos anos 70, ensaios de Montaigne. O que faço com este interesse? Leio, pesquiso, indago, pergunto, debato. É assim que manifesto a minha vontade de saber mais destes temas tão fundamentais para a salvação das almas. Ao meu lado, um manuel qualquer pretende cultivar-se sobre a influência dos raios gama no comportamento das margaridas, sobre a vantagem das energias alternativas ou sobre a genealogia de Florence Nightingale - lê, pesquisa, indaga, pergunta, debate. Poupo-me a exemplos semelhantes que se replicariam até à eternidade.

Ora, interessamo-nos por tudo - da alimentação do homem primitivo ao bosão de Higgs - e sobre esse tudo fazemos perguntas. Nenhum destes temas, no entanto, reage ao nosso interesse. São temas mortos, genericamente impessoais, não relacionados com ninguém vivo que se compraza com a curiosidade que lhe devotamos. E se ninguém se interessar pela origem do chorinho ou pelo confessionalismo no fado, não há mortal que lamente esse desinteresse.  

Acontece que pelas várias facetas da vida dos nossos próximos não familiares nos interessamos bastante menos. Impressiona-me sempre ver que, numa roda de amigos, há gente que não faz uma única pergunta sobre a vida da pessoa que está ao seu lado, que sobre a entrada de uma pessoa num círculo social novo muito pouca gente manifeste curiosidade continuada. Curiosamente, como se o acolhimento e a amizade militada fossem bem menos interessantes do que evolução da inflação na Islândia dos anos 90, ou a origem das lojas maçónicas a norte do paralelo 16.

Gostava de inventar um algoritmo que ligasse o desinteresse pela vida ao desinteresse pelos outros. Não há, seguramente, muito embora isso facilitasse as relações entre as pessoas. Fulano não se interessa por mim? É uma meia verdade... Em bom rigor ele não tem muitos interesses na vida. Não é  assim, contudo. Há o medo de perguntar mas, acima de tudo, há um desinteresse humano grande, um olhar desatento sobre o próximo, uma vontade seguramente diminuta de ter mais informação num mundo que nos invade com imagens e notícias. 

Os meus lanches de fim de tarde e almoços regulares com interlocutores certos são bálsamos que acrescem a outras manifestações que me enriquecem. Sou um privilegiado, que valho tanto com o resíduo industrial ou como basileia ii. Quem me lê sabe do que falo - e percebe a metáfora.

JdB

* publicado originalmente a 22 de Dezembro de 2014

08 janeiro 2023

Solenidade da Epifania do Senhor

 EVANGELHO - Mt 2,1-12

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Tinha Jesus nascido em Belém da Judeia,
nos dias do rei Herodes,
quando chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente.
«Onde está - perguntaram eles –
o rei dos judeus que acaba de nascer?
Nós vimos a sua estrela no Oriente
e viemos adorá-l'O».
Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado
e, com ele, toda a cidade de Jerusalém.
Reuniu todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo
e perguntou-lhes onde devia nascer o Messias.
Eles responderam:
«Em Belém da Judeia,
porque assim está escrito pelo profeta:
'Tu, Belém, terra de Judá,
n&atil
de;o és de modo nenhum a menor
entre as principais cidades de Judá,
pois de ti sairá um chefe,
que será o Pastor de Israel, meu povo'».
Então Herodes mandou chamar secretamente os Magos
e pediu-lhes informações precisas
sobre o tempo em que lhes tinha aparecido a estrela.
Depois enviou-os a Belém e disse-lhes:
«Ide informar-vos cuidadosamente acerca do Menino;
e, quando O encontrardes, avisai-me,
para que também eu vá adorá-l'O».
Ouvido o rei, puseram-se a caminho.
E eis que a estrela que tinham visto no Oriente
seguia à sua frente
e parou sobre o lugar onde estava o Menino.
Ao ver a estrela, sentiram grande alegria.
Entraram na casa,
viram o Menino com Maria, sua Mãe,
e, caindo de joelhos,
prostraram-se e adoraram-n'O.
Depois, abrindo os seus tesouros, ofereceram-Lhe presentes:
ouro, incenso e mirra.
E, avisados em sonhos
para não voltarem à presença de Herodes,
regressaram à sua terra por outro caminho.

05 janeiro 2023

Poemas dos dias que correm *

 O PÁSSARO

Quando ele apanhou o pássaro
cortou-lhe as asas.
O pássaro voou mais alto.

Quando voltou a apanhar o pássaro
cortou-lhe as patas.
O pássaro deslizou como uma barca.
Furioso, cortou-lhe o bico.
O pássaro cantou com o coração,
como canta uma harpa.

Então cortou-lhe o pescoço.
E de cada gota de sangue
Saiu um pássaro mais brilhante.

Maurice Carême
(12/5/1899 - 13/1/1978)
In "Revista DiVersos, 10"
(Tradução de António Ramos Rosa)

04 janeiro 2023

Vai um gin do Peter’s ?

BALANÇO DE VIDA, COM BOA ANTECEDÊNCIA 

No final de Agosto de 2006, apenas um ano depois de ser eleito Papa e década e meia antes de morrer, Bento XVI resolveu publicar uma súmula estranhamente intitulada de «TESTAMENTO ESPIRITUAL». A publicação tão antecipada de um testamento foi mais uma das suas muitas originalidades, fazendo jus ao espírito livre e criativo deste teólogo-investigador incansável. 

Ao contrário do que ficou para a história, a vida de Bento XVI foi pautada por enormes ousadias, forjadas por uma coragem que nunca vergou, nem mesmo quando rasou a morte. A primeira ameaça foi o nacional-socialismo, de cujo quartel desertou, depois de ser convocado à força, aos 16 anos. Não fora o cansaço extremo das tropas do Reich, quase no final da Segunda Guerra, e Ratzinger teria sido abatido sem piedade. Ainda em criança, toda a família ficara em risco, quando o pai (polícia de profissão) se recusou a apoiar o recém-empossado Hitler e se permitiu criticar o nacional-socialismo. Por sorte, foi “apenas” penalizado profissionalmente e desterrado para um povoado da Alemanha profunda. 

No Concílio Vaticano II, Joseph destacou-se como um dos jovens teólogos (senão o mais) vanguardista e brilhante. Voltou a ser revolucionário nas suas investigações teológicas e até como Cardeal, sendo consensualmente (delatores incluídos) tido por o melhor teólogo vivo. Foi o único prefeito conhecido da quase desconhecida Congregação para a Doutrina da Fé, que entrou nos holofotes dos media pelo seu sucesso na gestão de dossiers complicados. O mais emblemático foi o da Teologia da Libertação, resolvido em tempo recorde – menos de um ano. O movimento tornara-se numa ameaça de cisma por parte da Igreja latino-americana, eivado de ideias interpelativas, reivindicações justas mas boa dose de marximo-leninismo violento nas entrelinhas. Os fundadores – os irmãos Boff, ambos franciscanos nascidos no Brasil – dividiram-se em relação ao desactivador daquela bomba-relógio religioso-política: Clodovis compreendeu e acabou por alinhar com Ratzinger, enquanto Leonardo se zangou e não perdoou a intervenção clarificadora do alemão, que desmontou em duas penadas a nebulosa de fé e de revolução social que alastrara pela América Latina como fogo na pradaria, baralhando e arrastando multidões de pobres e de menos letrados.

Logo na forma como chegou ao Vaticano, Ratzinger foi inédito ao recusar três vezes o convite insistente do Papa polaco para ser prefeito, acabando por impor uma condição que costumava impedir o exercício da função: continuar a publicar livros e artigos académicos. Tramou-se, porque João Paulo II conseguiu abrir uma excepção e isentá-lo daquela restrição. A contragosto, teve de deixar a Alemanha e mudar-se para o Sul da Europa. 

Também o seu doutoramento foi atípico, pois em vez de suscitar um debate aberto e livre, próprio de uma academia amadurecida como a alemã, estalou em polémica entre o júri, que se engalfinhou numa discussão insólita, impropriamente centrada nas suas posições pessoais, sem sequer darem espaço para o doutorando intervir. Assim incumpriram a regra mais elementar de um doutoramento, depois de Ratzinger ter ousado defender e publicar uma tese a que um catedrático do júri se opunha ferozmente. Com ironia, o polémico recém-doutorado tornou-se, de imediato, na coqueluche dos teólogos alemães, com aulas a transbordar de alunos, de visitantes estrangeiros e até de curiosos. 

Embora apelidado de “Panzer Cardinal”, foi o único pensador católico convidado pela Sorbonne, em 1999, para integrar o grupo de sumidades da filosofia que proferiram conferências sobre os desafios do novo milénio. Curiosamente, foi a elite da intelectualidade francesa que melhor percebeu quanto as controvérsias em torno de Ratzinger provinham mais de um espírito livre, corajoso e muito audaz do que da rebeldia caprichosa e tonitruante de algumas escolas de pensamento parisienses.

Calhou ser este Papa da palavra e do pensamento rigorosos a tomar a liberdade de abençoar a criança e também o ursinho de peluche, percebendo quanto o brinquedo amparava a pequenina doente! Este gesto simples cativou um vaticanista anti-Bento XVI, que passou a fã do Papa misterioso e imprevisto, de personalidade tímida e semi-introvertida, nos antípodas do super comunicativo antecessor polaco.    

Sempre original, Bento XVI/Ratzinger abordava a fé cristã pela óptica da razão, explicando que o cristianismo era herdeiro da filosofia helénica, impregnado pela história de fé do Povo Eleito com o Deus que se ia revelando Pai. Considerava a ciência um ganho para a fé cristã e não lhe vislumbrava qualquer incompatibilidade, alertando para o facto de as alegadas divergências provirem de interpretações subjectivas e isoladas, não-representativas nem da Ciência nem da fé lúcida e informada. Reflectia sobre o Amor sob todos os prismas, incluindo o erótico, que mereceu ser tema na sua primeira Encíclica, fascinando intelectuais agnósticos e ateus de diferentes latitudes. Foi sempre um apaixonado pela verdade, ciente (até pela infância sob o regime de Hitler) do risco dos desvios totalitários, mal se ignora a premissa mais sólida e universal da liberdade: «o perigo do mundo ocidental é que o homem, obcecado pela grandeza do seu saber e do seu poder, esqueça o problema da verdade. E isto significa que a razão, no fim do dia, acabará por vergar-se às pressões dos interesses e do utilitarismo, perdendo a capacidade de reconhecer a verdade como critério único». 

Já como Papa, o sucessor do grande João Paulo II resolveu tomar o nome de um antecessor esquecido, do tempo da Primeira Guerra Mundial – Bento XV. Mais uma vez, revelava-se profético (2005), antevendo o alcance das nuvens negras que despontavam no horizonte da história. Taxado de conservador-mor, foi o primeiro a decretar tolerância-zero à pedofilia (ainda na Congregação, introduziu procedimentos severos, que foram em parte sabotados por funcionários da Curia, despedidos logo que os identificou), considerando que configurava um “crime”, que os processos também deviam transitar para as autoridades judiciais, em acréscimo à justiça vaticana (onde nada prescreve). Opôs-se ao silêncio sobre estes crimes vis e obrigou os eclesiásticos (Bispos incluídos) que os encobriram a abdicar, fazendo rolar cabeças na Irlanda, na Austrália, nos EUA, etc. Aliás, calar nunca foi o seu lema, tendo pago como poucos a audácia das posições em contracorrente, quer enquanto o achavam progressista, quer como defensor do legado filosófico-teológico da doutrina cristã enquanto prefeito.  

Em 2013, voltou a protagonizar mais uma originalidade, ao deixar a Cátedra de Pedro para se dedicar a rezar pela Igreja e pelo pontífice que lhe iria suceder. Curiosamente, somou a proeza de ser o Papa a morrer com mais idade, aos 95 anos, embora tivesse resignado há oito anos. Recolhido no pequeno mosteiro dos jardins do Vaticano, ‘Mater Eclesiae’, Bento XVI sustentou Francisco e só quebrou o silencio pontualmente para defender o argentino, procurando dissipar suspeitas de desalinhados e/ou desiludidos com o Papa em funções.  

Com boa antecedência da Partida definitiva, o alemão quis partilhar um balanço de vida sábio e tranquilo, aberto a todos os desfechos, incluindo o derradeiro. Estava pronto para cruzar o limiar da morte, confiando-se ao ritmo da natureza. Aliás, desde cedo, fora sensível à ecologia, tendo sido o primeiro Papa a alertar para a importância do respeito pelas leis e pelo ciclo da natureza. E foi coerente no momento mais difícil, aceitando a hora de morrer ditada pelo apagamento natural do corpo. Recusou ser hospitalizado e sujeitar-se a prováveis ‘encarniçamentos clínicos’ para sacar mais um tempo de vida, tão artificial e anti-natura quanto a antecipação forçada da morte por eutanásia. Como escreveu um jornalista agnóstico: «Bento XVI escolheu uma morte digna (ao recusar o hospital), e essa foi a sua última mensagem de Fé». 

«O MEU TESTAMENTO ESPIRITUAL (em 2006)

Se nesta tarda hora da minha vida olho para as décadas que percorri, como primeira coisa vejo quantas razões tenho para agradecer. Agradeço antes de tudo ao próprio Deus, o dispensador de todo bom dom, que me doou a vida e me guiou através de vários momentos de confusão; levantando-me sempre toda vez que começava a escorregar e dando-me sempre novamente a luz da sua face. Retrospectivamente vejo e compreendo que mesmo os trechos obscuros e cansativos deste caminho foram para a minha salvação e que justamente neles Ele me guiou bem.

Agradeço aos meus pais, que me doaram a vida num tempo difícil e que, a custa de grandes sacrifícios, com o seu amor me prepararam uma magnífica morada que, com sua clara luz, ilumina todos os meus dias até hoje. A lúcida fé de meu pai me ensinou a nós, filhos, a crer, e como indicador sempre foi firme em meio a todas as minhas aquisições científicas; a profunda devoção e a grande bondade de minha mãe representam uma herança à qual jamais poderei agradecer suficientemente. Minha irmã me assistiu por décadas de maneira desinteressada e com afetuoso cuidado; meu irmão, com a lucidez dos seus juízos e a sua vigorosa determinação, sempre me abriu o caminho; sem este seu contínuo preceder-me e acompanhar-me, não poderia ter encontrado o caminho justo.

De coração agradeço a Deus pelos muitos amigos, homens e mulheres, que Ele sempre colocou ao meu lado; pelos colaboradores em todas as etapas do meu caminho; pelos mestres e os estudantes que Ele me deu. Agradecido, confio a todos à Sua bondade. E quero agradecer ao Senhor pela minha bela pátria nos pré-alpes bávaros, na qual sempre vi transparecer o esplendor do próprio Criador. Agradeço às pessoas da minha pátria, porque nelas pude sempre experimentar de novo a beleza da fé. Rezo para que a nossa terra permaneça uma terra de fé e vos peço, queridos compatriotas: não vos distraiais da fé.  E finalmente agradeço a Deus por todo o belo que pude experimentar em todas as etapas do meu caminho, especialmente, porém, em Roma e na Itália, que se tornou a minha segunda pátria.

A todos aqueles que de algum modo tenha cometido um erro, peço perdão de coração.

Aquilo que antes disse aos meus compatriotas, o digo agora a todos aqueles que na Igreja foram confiados ao meu serviço: permanecei firmes na fé! Não vos deixeis confundir! Com frequência, parece que a ciência – as ciências naturais de um lado e a pesquisa histórica (em particular a exegese da Sagrada Escritura) de outro — seja capaz de oferecer resultados irrefutáveis em contraste com a fé católica. Vi as transformações das ciências naturais desde tempos remotos e pude constatar como, ao contrário, tenham desaparecido aparentes certezas contra a fé, demonstrando-se ser não ciência, mas interpretações filosóficas somente aparentemente incumbentes à ciência; assim como, por outro lado, é no diálogo com as ciências naturais que também a fé aprendeu a compreender melhor o limite do alcance de suas afirmações e, portanto, a sua especificidade. São pelo menos 60 anos que acompanho o caminho da Teologia, em especial das Ciências Bíblicas, e com o subseguir-se das várias gerações vi ruir teses que pareciam inabaláveis, demonstrando-se serem simples hipóteses: a geração liberal (Harnack, Jülicher ecc.), a geração existencialista (Bultmann ecc.), a geração marxista. Vi e vejo como do emaranhado das hipóteses tenha emergido e emerja novamente a razoabilidade da fé. Jesus Cristo é realmente o caminho, a verdade e a vida — e a Igreja, com todas as suas insuficiências, é realmente o Seu corpo.

Por fim, peço humildemente: rezem por mim assim que o Senhor, não obstante todos os meus pecados e insuficiências, me acolher nas moradas eternas. A todos aqueles que me são confiados, dia após dia, vai de coração a minha oração,

Benedictus PP XVI
29 de Agosto de 2006 

Era Saramago quem lembrava o elo intrínseco entre saber viver e saber morrer, dito no seu modo provocador: «Fugir da morte pode tornar-se num modo de fugir da vida.» Talvez mais desafiante seja o conselho de Vasco Pinto Magalhães, SJ: «Era importante falar mais vezes da morte. Ela está aí, sempre presente na vida de cada um, e é saudável saber encará-la, já que ninguém lhe foge! Ela é o avesso da vida. E, saber olhá-la e admiti-la, só nos pode dar força para viver e apreço pela vida. Evitar que as crianças vejam, toquem, a morte dos seus familiares, em vez de as defender, fragiliza-as, e não as educa na verdade.» Para inaugurar o Novo Ano valerá a pena convocar vozes diferentes, que ajudem a iluminar cada novo dia de 2023, preenchendo-o com o Amor pleno e profundo sobre o qual (Quem) escreveu Bento XVI.

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

03 janeiro 2023

As escolhas (musicais) do Gi [I]

O meu querido amigo gi, que foi presença assídua neste estabelecimento num dado momento, teve a amabilidade de mandar a algumas pessoas as suas escolhas musicais de 2022. A acompanhar a selecção vinha o texto abaixo que tomo a liberdade de copiar. Fui ver a selecção musical que nos era disponibilizada. Como diria alguém, acho graça mas não percebo. Não sei o que pop solar ou pós-indie-pós-pós-punk britânico. Ao longo das próximas semanas postarei aqui algumas das escolhas do gi e, quando me vier uma criatividade que anda arredia, talvez faça um ou outro comentário. Para já vai isto..,

Aqui estão as minhas canções de 2022. Sem ordem, sem hierarquia - mas com o critério do meu gosto pessoal e com uma abertura quase total a tudo o que se vai fazendo pelo mundo, independentemente do estilo, do tipo, da origem, da linhagem. Foram estas, mas podiam ter sido outras tantas.

Do hip hop mais criativo e underground, a música indie lo fi nacional; da música ambiental exploratória, às electrónicas dançantes; de nu-soul, a neo-punk; de música quase abstracta, a simples pop solar; de folk-rock norte-americano, ao indefinível pós-indie-pós-pós-punk britânico; dos home studios da periferia de Lisboa, a cabanas de montanha.algures nos Apalaches; do reggaeton LGBT psicadélico, à moderna canção de intervenção portuguesa; etc, etc.  - eis uma possível combinação de múltiplas janelas para os múltiplos mundos que há no mundo.

Estas canções foram minhas, de certa maneira. Agora são vossas.

Feliz 2023! E obrigado por tudo, ao longo de 2022.

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Divirtam-se, ou não. Esta primeira música demora sensivelmente 4 minutos. Não cheguei ao fim, mesmo podendo ver os bonecos... Mas aprendi qualquer coisa.

JdB 


02 janeiro 2023

Textos dos dias que correm *

Para escrever um único verso, é preciso ter visto muitas cidades, homens e coisas. É preciso conhecer os animais, sentir como voam os pássaros e saber que movimento fazem as flores minúsculas quando se abrem pela manhã.

É preciso repensar em caminhos em regiões desconhecidas, em encontros inesperados, em partidas que víamos aproximar-se desde há muito tempo, em dias de infância cujo mistério ainda está por esclarecer, nos pais que magoámos quando nos proporcionavam uma alegria que não compreendíamos (era uma alegria feita para outra pessoa), em doenças infantis que começavam, tão singularmente, por tantas transformações profundas e graves, em dias passados em quartos calmos e contidos, em manhãs junto ao mar, no próprio mar, em mares, em noites de viagem que estremeciam lá no alto e voavam com todas as estrelas – e nem sequer é suficiente saber pensar em tudo isto.

É preciso ter recordações de muitas noites, em que nenhuma se pareceu com qualquer outra, de gritos de mulheres a chorar pelos filhos, e de outras, brandas, insones, adormecidas deitadas a fechar-se. É preciso ainda ter estado junto de moribundos, ter estado também à cabeceira de mortos, no quarto, com a janela aberta e os ruídos que se ouviam entrecortadamente. E nem sequer chega ter recordações. É preciso saber esquecê-las quando são numerosas e ter a maior paciência para esperar que regressem. Porque as recordações ainda não são isso. Só quando se tornam em nós sangue, olhar, gesto, quando deixam de ter nome e de se distinguir de nós, só então pode acontecer que, num momento muito raro, no meio delas, se levante a primeira palavra de um verso.

Rainer Maria Rilke - O que custa escrever um só verso.

* enviado por mão amiga

01 janeiro 2023

Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus

EVANGELHO - Lc 2,16-21

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naquele tempo,
os pastores dirigiram-se apressadamente para Belém
e encontraram Maria, José
e o Menino deitado na manjedoura.
Quando O viram, começaram a contar
o que lhes tinham anunciado sobre aquele Menino.
E todos os que ouviam
admiravam-se do que os pastores diziam.
Maria conservava todas estas palavras,
meditando-as em seu coração.
Os pastores regressaram, glorificando e louvando a Deus
por tudo o que tinham ouvido e visto,
como lhes tinha sido anunciado.
Quando se completaram os oito dias
para o Menino ser circuncidado,
deram-Lhe o nome de Jesus,
indicado pelo Anjo,
antes de ter sido concebido no seio materno.

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