10 setembro 2018

Ainda das viagens

Três eventos no espaço de poucos dias que confirmam uma ideia pessimista: (i) vejo um programa de televisão onde um português, emigrado no Perú, fala das milhares de pessoas que, todos os dias, visitam Machu Picchu. Dizem-me, a esse propósito, que já ha limites para o número de visitantes; (ii) amigos próximos estiveram muito recentemente no Funchal, num hotel de cinco estrelas onde passaram a lua de mel há mais de vinte anos. Falaram dos hóspedes, sobretudo de alguém que, de chinelos e tronco nu, se quedou no lobby do hotel a resolver problemas; (iii) ontem estive em Lisboa, circulando a pé entre o Largo Camões e a Igreja de Santa Catarina, na Calçado do Combro. A circulação a pé é difícil, tal o número de visitantes a passearem languidamente pelos passeios,  muitas vezes no meio, impedindo a circulação dos outros, nomeadamente os que têm mais pressa.  

O assunto que aqui me traz não é novo, como não é novo muito do que aqui direi. 

Quando comecei a viajar, em 1975 / 1976, talvez, o avião era um local que requeria algum dress code. Os aviões não iam cheios, havia ementas de papel, opção de menu numa viagem simples para Londres. Na verdade, entre outros factores, o preço das passagens aéreas não era convidativo. A título de exemplo apenas, em 1979 uma viagem Lisboa - Hong Kong  custava 120 contos (600€); passados quarenta anos, o preço deve continuar a ser esse. Noutro âmbito, a ida a um museu fazia-se sob o signo do sossego e do silêncio: podia estar-se em frente a um quadro durante dez minutos, sem que a vista nos fosse tapada por uma multidão em circulação. Pelas ruas e praças das principais capitais estrangeiras havia sobretudo gente local e, nos meses do Verão, alguma gente jovem, a fazer o seu interrail. Sentavamo-nos nas fontes, nas escadarias, nas praças, nas esplanadas, e via-se o bulício local, não aculturado pela horda das excursões.

Diz-me esta amiga que veio do Funchal do gosto que agora tem em ficar em hotéis mais pequenos, hotéis boutique, de charme, talvez mais povoados por um género de gente menos ruidoso, menos ávida de coleccionar destinos ou de evidenciar a sua nudez a despropósito. Talvez seja isso, mas o problema mantém-se no período de tempo entre as 09.00h e as 23.30h, em que estamos acordados e em circulação. As praças estão cheias, as esplanadas a rebentarem pelas costuras, as salas de museus atravessadas por gente que quer fixar em selfies o que não fixa em interesse. Podemos dormir com outro conforto estético, mas não podemos fugir à barafunda citadina. Talvez um dia não se vá a Roma, mas a uma vilória perdida no meio da Toscana onde pode ouvir-se ainda o som do silêncio, onde a massa seja mais caseira e o molho de tomate menos perfumado pelo insecticida e pelo encontrão.

Há, de alguma forma, uma semelhança entre o custo das viagens e a passagem de uma sociedade oral para uma sociedade escrita. Ambas escancararam as portas ao que antes era prerrogativa de alguns: o conhecimento e o turismo. No entanto, a democratização do saber gerou mais benefícios do que a democratização da viagem. Como me dizia alguém, o turismo está a matar o turismo, e há dúvidas de que o mundo tenha ficado melhor.

Sou um mortal imperfeito, como tantos de nós: gosto de viajar, mas não gosto que todos viagem; gosto dos centros das cidades, mas gostava que houvesse menos gente, e estou certo de que outros pensarão o mesmo da minha indesejável presença nesses locais. No fundo, sou a favor de tudo, mas não no meu jardim...

JdB 

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