06 fevereiro 2024

Sobre vidas destroçadas e atrasos da justiça

Na capa de um jornal, o título gordo: dez anos de luto e de luta. Por cima, a letras mais pequenas, um parágrafo de chamada para uma outra página: pais de jovens universitários que morreram no Meco e em Braga continuam com as vidas destroçadas e à espera de justiça. Neste momento não consigo citar de cor nenhuma notícia relativamente ao desgosto e procura de justiça pela morte de Sara Carreira, mas os termos serão semelhantes: vidas destroçadas, desgostos imensos - e a justiça que não se faz. 

Em momento algum este texto deve ser lido como uma diminuição da dor dos Pais (no sentido do conjunto de pai e mãe) dos estudantes que morreram; o mesmo se aplica à dor de Tony Carreira. Ainda que esteja mais perto de saber do que o comum dos mortais, só posso imaginar o sofrimento dos pais; cada um é como é e as circunstâncias da morte terão seguramente influência. Não é a dor deles que me traz aqui, nem sequer a exposição mediática que promoveram ou deixaram que fosse promovida. Não sou ninguém para fazer juízos sobre ambos os temas.

Ainda que esteja a ser potencialmente injusto, encontro nas expressões vidas destroçadas e à espera de justiça (no fundo, o que se pressente nas notícias sobre o julgamento do caso Sara Carreira) um nexo causal. Isto é, entre ambas as expressões parece haver uma relação de causa e efeito: as vidas destroçadas são-no (talvez também) por causa do atraso da justiça. O conjunto das expressões é que dá dimensão à notícia - afinal, por si só, uma vida destroçada não é tema para chamada de primeira página; e a morosidade da justiça tornou-se um banal.  

O assunto interessa-me pela dimensão conceptual humana. A forma como cada Pai que perde um filho se reconstrói é um tema que me toca por vários motivos. Ao longo dos últimos 20 anos fui lendo muito sobre isso - fases do luto, sentido da vida, histórias que se constroem e querem contar, necessidade de um corpo para encerrar um capítulo, etc. Nunca me tinha debruçado sobre a dor de um Pai cujo filho/a perde a vida por um motivo que requer intervenção de tribunais. É o castigo de um assassino ou do responsável por um acto (ainda que não voluntário) e que provoca a morte de um filho o que permite que alguém se reconstrua? 

Um olhar simplista sobre o assunto dos jovens universitários ou de Sara Carreira suscita uma pergunta imediata: a dor maior de perder um filho é imensa. Para quê andar a escarafunchar na ferida e querer que alguém seja dado como culpado? Porém, como disse, talvez este olhar seja simplista, e talvez seja necessário que se faça justiça para que se possa seguir em frente. A sentença é, assim, o corpo de que necessitamos para fazer o luto.

JdB

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