12 março 2024

Da mentira como inexactidão

Convento de Cristo (Tomar), Fevereiro de 2024

Em Notas para a Recordação do meu Mestre Caeiro (algumas delas) diz Fernando Pessoa, pela boca de Álvaro de Campos: 

Há frases repentinas, profundas porque vêm do profundo, que definem um homem, ou, antes, com que um homem se define, sem definição. Não me esquece aquela em que Ricardo Reis uma vez se me definiu. Falava-se de mentir, e ele disse: «Abomino a mentira, porque é uma inexactidão». Todo o Ricardo Reis — passado, presente e futuro — está nisto.

Talvez não fizesse mal aos políticos com um certo sentido de humor lerem Álvaro de Campos. Nada me cansa mais do que ouvir pessoas a dizerem que são optimistas, que acreditam no próximo, que são pela verdade ou que são muito francos. Nada me cansa mais do que ouvir pessoas falarem sempre bem de si próprias, não porque, em bom rigor, se sintam muito boas, mas porque sentem que ninguém acredita nelas se elas disserem quem? Eu? Eu sou um pessimista... A mim levava-me às urnas alguém que dissesse com transparência: abomino a mentira, porque é uma inexactidão. Não abomina a mentira porque não está certo, mas porque é uma inexactidão. A cereja em cima do bolo seria a invectiva contra as histórias de crianças: não gosto da Cinderela; há ali uma inexactidão que me incomoda.   

JdB

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