19 junho 2024

Vai um gin do Peter’s ? 

 SOS BOM HUMOR PRECISA-SE

Em 2024, ano do 150º aniversário do nascimento de um dos escritores-jornalista mais divertidos e famosos do seu tempo, vale a pena revisitar um par de reflexões antológicas de Gilbert Keith Chesterton (1874-1936). Embora algumas tenham uma aparência banal, contêm uma profundidade e lucidez únicas, que interpelam pelo raciocínio cristalino e por boa dose de humor. Através dos escritos (80 livros e infindáveis artigos de imprensa) e saídas lapidares, o inglês influenciou Gandhi e muitos outros da sua geração. Os seus paradoxos mordazes e certeiros lembram Oscar Wilde em versão mais solar. Exemplos (citados no original):  

«Without education, we are in a horrible and deadly danger of taking educated people seriously.

The devotee is entirely free to criticise; the fanatic can safely be a sceptic. Love is not blind; that is the last thing that it is. Love is bound; and the more it is bound the less it is blind.

I am not absentminded. It is the presence of mind that takes me unaware of everything else. [em resposta às suas famosas e frequentes distracções]  

Angels can fly because they take themselves lightly.

I’ve searched all the parks in all the cities and found no statues of committees.

The poets have been mysteriously silent on the subject of cheese.

An adventure is only an inconvenience rightly considered. An inconvenience is only an adventure wrongly considered.

The Bible tells us to love our neighbours and also to love our enemies; probably because they are generally the same people.

To have a right to do a thing is not at all the same as to be right in doing it.

Literature is a luxury; fiction is a necessity.

A good novel tells us the truth about its hero; but a bad novel tells us the truth about its author.

Fairy tales do not tell children that dragons exist. Children already know that dragons exist. Fairy tales tell children that dragons can be killed.

Do not be so open-minded that your brains fall out.

Drink because you are happy, but never because you are miserable.

If there were no God, there would be no atheists.

Art, like morality, consists of drawing the line somewhere.

Fallacies do not cease to be fallacies because they become fashions.

The Christian ideal has not been tried and found wanting. It has been found difficult: and left untried.

It is absurd for the Evolutionist to complain that it is unthinkable for an admittedly unthinkable God to make everything out of nothing, and then pretend that it is more thinkable that nothing should turn itself into everything.

The thing I mean can be seen, for instance, in children, when they find some game or joke that they specially enjoy. A child kicks his legs rhythmically through excess, not absence, of life. Because children have abounding vitality, because they are in spirit fierce and free, therefore they want things repeated and unchanged. They always say, “Do it again”; and the grown-up person does it again until he is nearly dead. For grown-up people are not strong enough to exult in monotony. But perhaps God is strong enough to exult in monotony. It is possible that God says every morning, “Do it again” to the sun; and every evening, “Do it again” to the moon. It may not be automatic necessity that makes all daisies alike; it may be that God makes every daisy separately, but has never got tired of making them. It may be that He has the eternal appetite of infancy; for we have sinned and grown old, and our Father is younger than we

Para incutir esperança num mundo atribulado por guerras ferozes e ameaças de ataques nucleares à Europa, Francisco convocou os humoristas para um brainstorming no Vaticano, confiando nos seus talentos para descobrirem brechas de luz nos contextos mais sombrios e espalharem ânimo, alegria: «vocês têm o poder de espalhar a serenidade e o sorriso. Vocês estão entre os poucos que têm a capacidade de falar com pessoas muito diferentes, de diferentes gerações e origens culturais. (…) À sua maneira, vocês unem as pessoas, porque o riso é contagioso. É mais fácil rir juntos do que sozinhos: a alegria permite a partilha e é o melhor antídoto contra o egoísmo e o individualismo. Rir também ajuda a quebrar as barreiras sociais, a criar conexões entre as pessoas. Permite-nos expressar emoções e pensamentos, ajudando a construir uma cultura partilhada e a criar espaços de liberdade. Vocês lembram-nos que o homo sapiens também é homo ludens; que a diversão e o riso são fundamentais para a vida humana, para nos expressarmos, aprendermos e darmos significado às situações (do dia-a-dia)… Continuem a animar as pessoas, especialmente as que têm mais dificuldade em encarar a vida com esperança. Ajudem-nas, com o sorriso, a ver a realidade com as suas contradições e a sonhar com um mundo melhor.  É mais fácil ser trágico do que cómico. Obrigado por fazerem as pessoas rirem e também por rir de coração… Quando fazem alguém sorrir, Deus também sorri.»

Mais de uma centena de comediantes no Vaticano, na manhã de 14 de Junho, que comentaram com humor o encontro: «It was like a meeting of every poorly behaved kid in church» (Jim Gaffigan). «We are all looking at each other (entre americanos) and thinking, something is wrong. We are in this beautiful space in the Vatican and for some reason they have let comedians in, which is always a mistake” (Conan O’Brien).  


Whoopi Goldberg à esq. e Luciana Littizzetto à esquerda.

Nesse encontro, coube à comediante italiana Luciana Littizzetto proferir a chamada ‘oração do bom humor’, redigida pelo autor da Utopia, no recuado século XVI:   

Oração do bom humor

Senhor, dai-me uma boa digestão,
mas também algo para digerir.
Dai-me a saúde do corpo,
com o bom humor necessário para mantê-la.
Dai-me, Senhor, uma alma santa,
que saiba aproveitar tudo o que é bom e puro,
e não se assuste diante do pecado,
mas encontre o modo de colocar de novo as coisas em ordem.
Dai-me uma alma que não conheça o tédio,
as murmurações, suspiros e lamentos,
e não permitais que sofra excessivamente
por essa realidade tão dominadora que se chama “Eu”.
Dai-me, Senhor, sentido de humor!
Dai-me a graça de entender as piadas,
para que conheça na vida um pouco de alegria
e possa comunicá-la aos outros.
Assim seja.»


Sir Thomas More

Quantos comediantes são exímios a revelar a perspectiva mais desintoxicante da realidade, que escapa à maioria dos olhares. Quantos conseguem mostrar o ângulo de onde melhor se confirma existir um ‘copo meio cheio’. Quantos correspondem ao retrato benigno descrito pelo Papa, como semeadores de esperança. Quantos ajudam a acordar nos outros o sentido mais profundo do amor, do perdão, da fé, da esperança segundo a definição lapidar de Chesterton: «To love means loving the unlovable. To forgive means pardoning the unpardonable. Faith means believing the unbelievable. Hope means hoping when everything seems hopeless.»

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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