06 maio 2015

Das pedrinhas para regressar a casa

Fotografia de JMAC, o homem de Azeitão

No conto dos irmãos Grimm, Hansel e Gretel são votados ao abandono numa floresta. Encontram o caminho de regresso a casa graças às pedrinhas que o rapaz deixa pelo caminho. Vítimas da mesma maldade da madrasta, e já não podendo socorrer-se do estratagema das pedrinhas, recorrem a migalhas de pão, só que neste caso os pássaros comem tudo... Por trás da história, que acaba bem, realço dois pontos de interesse (digo eu, que nunca me debrucei sobre o tema) - a maldade de uma mulher, cujo estereótipo contaminou o conceito de madrasta até aos nossos dias; e, acima de tudo, o desejo de regresso a casa.

Afastemo-nos do conceito de "regresso a casa" no sentido mais literal isto é, o regresso depois de uma viagem de lazer, após um internamento hospitalar, no decurso de uma jornada longa de trabalho. Assumamos o regresso a casa como o retorno à segurança, às memórias felizes, ao conforto da alma. Uma espécie - na visão de Roland Barthes - da sala de comando do capitão Nemo ou da tenda que cada um de nós fez com os lençóis da sua cama, porque ambos, mais do que sinal de poder ou fantasia, representam a segurança. A segurança, apenas. Regresso a casa no sentido metafórico, portanto.

Como regressamos a casa? O que são as pedrinhas que Hansel colocou na floresta? E talvez, mais importante ainda, o que é a nossa casa?

                                                                  ***

Fulano é um optimista e um positivo. As conversas rodam em volta de tudo o que lhe traz felicidade, mas também rodam em volta de tudo o que o magoou, e que ele transformou em ensinamento feliz. E rodam ainda em torno do que é bom nos outros, nas qualidades que ele vê nos outros, nos elogios que ele faz aos outros, como se quisesse que todos estivéssemos irmanados na mesma luz. Beltrano fala das dores, dos sofrimentos, dos episódios negros, da cruz em cima da qual ele quis ver o mundo - ou em cima da qual ele quis que o mundo o visse a ele. Fala ainda das dores dos outros, sobre as quais lança um olhar presente. Sicrano atenta no sinal menos do próximo. Sabe uma história jocosa ou eivada de incompetência sobre todos os nomes que lhe referem; é conhecedor de um podre, de uma pequenina galhofa, de uma queda na rua que impossibilitou uma promoção ou de uma suspeita de um cheque depositado um módico de tempo após o permitido, de um romance onde há três.

Nenhum dos fulano, beltrano e sicrano é só isto, porque não somos apenas algo, mas também o oposto de algo ou o complemento de algo. Outros terão olhares semelhantes - sobre os nomes das pessoas, como se fossem um roteiro para a história do mundo, sobre os sucessos próprios, como se fosse um guião para a felicidade impante. Mas isto - os sinais menos ou mais, as cruzes próprias, os nomes - são a mancha que vemos quando analisamos os Hansel e Gretel que povoam a nossa vida. São o caminho dominante que cada um escolhe para fugir da floresta e regressar a casa, o que quer que isso signifique, porque as conversas persistentes são a bússola para os terrenos sombrios ou desconfortáveis. 

Há a floresta na qual as pessoas foram abandonadas; há as pedrinhas que lhes permitem regressar a casa. Perceber a diferença entre um e outro é saber muito sobre as pessoas. Perceber este meu texto é, para além de uma grande interrogação, um exercício confuso.

JdB
      

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