03 agosto 2015

Das frases que se querem ouvir



O excerto de filme acima é o final do África Minha. Apesar da cena do clube exclusivamente masculino aberto para uma mulher, retratando com elegância britânica uma certa rendição àquela dinamarquesa tão cheia de coragem e infortúnio, o que me captou a atenção foi uma cena um pouco mais tarde, aos 1'52", quando a protagonista diz ao criado: I want to hear you say my name. Farah, o criado, sabe o nome de Karen, a patroa, e di-lo de forma pausada, como um sentimento que se quer vivido em câmara lenta, para que seja mais claro e fique a ressoar no tempo. Ela sabe que ele sabe - e, não obstante, quer ouvi-lo.

Todos nós, cada um à sua maneira, somos baronesas Blixen, pedindo aos nossos mais próximos que profiram o nosso nome. Karen representa uma variedade imensa de frases que desejamos ouvir de forma pausada e lenta: sou teu amigo, amo-te, fazes-me falta, ajuda-me, tenho saudades, não sei o que fazer, vem comigo senão perco-me, diz-me como farias, fica, quero ficar, ajuda-me, sei que sabes, nem sempre é fácil, havemos de chegar, sou feliz, sonho-te feliz, quero que digas o meu nome. Todos sabemos que eles sabem e, não obstante, queremos ouvi-lo, nem sempre realizando que por vezes as baronesas Blixen são os outros, remetendo para nós o papel de Farah.

Karen nunca mais viu Farah. Farah nunca mais viu Karen. O que os uniu para sempre não foi a casa que se encheu de refinamento europeu, a escola que ensinou o bê-á-bá às crianças, o gramofone que rompeu de beleza musical um silêncio já de si belo. O que os uniu para sempre foi a cheia que tudo levou, o fogo que tudo consumiu, a avioneta que se despenhou sobre um sonho. O que os uniu para sempre, por mais irónico que possa parecer, foi o fim de uma vida quimérica construída no sopé de uma montanha. O que os uniu para sempre foi um diálogo composto de duas frases:

- I want to hear you say may name.
- You are Karen, m'sabu.

JdB 

2 comentários:

Luísa A. disse...

Engraçado, João: nunca valorizei na frase esse alcance afectivo, que sem dúvida também tem. Dei-lhe sempre, deduzindo da personalidade da heroína, o sentido primeiro de querer nivelar uma relação desnivelada, como quem diz: em última análise, somos iguais, somos da mesma massa, apesar das nossas circunstanciais diferenças; tens o direito - e vais exercê-lo! - de me tratar pelo nome próprio.
Karen, portanto, nivela, sem se despir da sua autoridade.

JdB disse...

Luísa: obrigado.
Talvez tenha razão na sua interpretação. É mais natural, seguramente, que tenha sido essa a intenção da heroína. A minha interpretação decorreu de uma conversa de há dias onde se falava das frases que não se proferem por vergonha, orgulho, pudor, educação. Só mais tarde consegui fazer a associação a este filme, pois não consegui localizar imediatamente fragmentos do diálogo que me veio à mente.
Liberdade criativa do dono do estabelecimento, no fundo...

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