06 maio 2020

Vai um gin do Peter’s ?

DIÁLOGO INSÓLITO COM O SANTO DO HUMOR – PIPPO O BOM  

S.Felipe Néri (1515-1595) é conhecido por ser o Santo da Alegria mas, como bem observava a actriz Maria Rueff, especialmente devota daquele inspirador da boa comédia, deveria ser antes reconhecido por uma boa disposição a extravasar de humor e audácia, sempre com lealdade. Nem o Papa foi poupado à sua ironia benigna e lúcida, para se perceber até que ponto ultrapassou a alegria comum nos santos. É, compreensivelmente, o padroeiro dos comediantes e também dos educadores, porque ensinou catequese pelas ruas de Roma, no tempo dos cismas protestantes, indignados (e não só) com a falta de fé generalizada, corrupção e frivolidade que grassavam na Cidade Eterna. Século de contraste é o menos que se pode dizer daquela época conturbada. 

Néri dava-se com gente de todas as origens e idades, que o chamavam de Pippo o Bom. Também acolhia animais abandonados, entre gatos, pássaros e um cão malhado a que chamou de «Capriccio» (qual pizza!). Nunca os tinha presos, nem mesmo aos pássaros que, de dia, voavam pelos céus de Itália.  Espantoso era voltarem todas as noites ao quarto de Felipe, para os alimentar e lhes dar guarida.    

Das suas frases incisivas, que o tornaram famoso, estão: «A batalha contra o mal (pecado) é a única batalha na qual vence aquele que foge»; É melhor pensarem que sou louco do que santo. É mais divertido e menos comprometedor (citado por aproximação); «Longe de mim o pecado e a tristeza»; «Prefiro o paraíso»; rezava «Deixem-me terminar hoje, e não terei medo amanhã». 

Entre os seus múltiplos talentos, conta-se que confessava especialmente bem, até porque conseguia ler a mente dos penitentes e ser, em simultâneo, muito paciente e divertido a incitá-los a melhorarem. Até nas penitências jogava uma cartada de surpresa e originalidade. A uma mulher viciada em intrigas e insinuações, disse-lhe para espalhar por toda a cidade as penas de uma galinha já morta, antes de a cozinhar. Entusiasmada com a bizarria, a mulher cumpriu a tarefa num ápice e voltou a Felipe, que lhe deu nova incumbência: agora vem o principal -- vais recolher cada uma das penas e trazer-mas todas aqui. A mulher, sem perceber o sentido daquilo, explicou-lhe que já não seria possível, porque tinham sido levadas pelo vento. Então o santo mostrou-lhe que equivalia ao efeito devastador da sua maledicência, cujos danos também não poderiam ser revertidos, deixando pelo caminho vidas irremediavelmente estragadas. Parece que a senhora ficou impressionada com a imagem e largou o péssimo vício. 

De outra vez, um médico veio ter com ele deprimido e acabrunhado com preocupações. Felipe fez logo tantas palhaçadas, que pôs o médico a rir, quebrando a onda negativa que submergira aquele infeliz.  

Também previa o futuro, tendo antecipado a data da sua morte. Porém, nem tudo na sua vida foram facilidades e paródia. Ficou órfão em tenra idade e sofreu perseguições dentro da própria Igreja, pois as suas excentricidades escandalizavam uns quantos. Alguns biógrafos referem também invejas, por causa da sua enorme popularidade junto da população romana, com amigos em todos os quadrantes. A ponto de merecer diminutivo e cognome ao jeito dos monarcas – Pippo o Bom.  O que nunca lhe faltou foi a boa disposição e as picardias bem humoradas! Até os seus acusadores concordavam nisso, muitos aliás para o apoucarem. Só que Felipe não desarmava: Quer dizer que, se chegarem alegres à porta do Paraíso, não os deixam entrar?

Um dos seus diálogos mais insólitos tem a ver com mais um dos seus dons – o da cura – e foi travado com o filho do seu amigo o príncipe Fabrizio Massimo, numa hora dramática. Está muito bem narrado num artigo que o autor, gentilmente, me autorizou a citar, com a vantagem de encontrar na mensagem de Néri afinidades com esta Primavera de 2020, um tanto inquinada por uma pandemia: 

«A estranha pergunta

Ao reler por estes dias uma biografia de S. Filipe Neri («Filipe Neri, o Sorriso de Deus», de Guilherme Sanches Ximenes, Ed. Quadrante), reparei na quase coincidência de datas de um estranho episódio, ocorrido há aproximadamente 5 séculos num dia 16 de Março.

O protagonista viveu os anos duros da Renascença, que dilaceraram a cristandade com as revoltas protestantes (de Lutero, de Zwinglio, de Calvino, de Henrique VIII, de Melanchthon) e fustigaram a Europa com guerras generalizadas, incluindo violências contra a cidade de Roma por parte de imperadores ditos católicos. Estes tempos difíceis foram também uma época de grandes santos, que sacudiram a tibieza e a corrupção da sociedade com propostas exigentes de renovação espiritual. Conviveram com S. Filipe Neri muitas figuras deste calibre, como Santo Inácio de Loyola, S. Pio V, S. Carlos Borromeo e são contemporâneos dele Santa Teresa de Ávila, S. João da Cruz e S. Pedro de Alcântara. Mas Filipe não foi herege nem reformador austero, foi um santo brincalhão, desconcertante, ao mesmo tempo que um grande santo.

Era um homem de profunda oração, mas até nisso não perdeu o humor, por vezes atrevido com o próprio Deus. Até nos milagres, S. Filipe Neri foi original.

O episódio que me chamou a atenção começou de forma dramática quando a Sra. Lavinia, mulher de Fabrizio Massimo, amigo de S. Filipe, estava para dar novamente à luz. O casal já tinha cinco filhas, mas o sexto parto ia muito mal encaminhado. Fabrizio recorreu a S. Filipe e este, depois de rezar, tranquilizou-o com toda a segurança: tudo ia correr bem, iam ter um rapaz saudável e deveriam dar-lhe o nome de Paolo. Realmente, tudo aconteceu como previsto.

Catorze anos depois, já a mãe do rapaz tinha morrido e também uma das irmãs, Paolo adoece gravemente. A doença arrasta-se por vários meses e Filipe visita-o todos os dias. Finalmente, o jovem entra em agonia. Filipe foi chamado à pressa mas, como estava a celebrar a Missa, demorou algum tempo e só chegou quando o rapaz já tinha morrido.

A cena é fácil de imaginar: o cadáver inerte sobre a cama, rodeado pelo pai, as irmãs e os vizinhos, a chorar e a prepararem o enterro.

Filipe ajoelhou-se perto da cama em oração. Rigoroso silêncio. A seguir, pegou num frasco de água benta, aspergiu o corpo e chamou com força: «Paolo! Paolo!». Paolo abriu os olhos e disse «Padre». Filipe e Paolo ficaram a conversar um quarto de hora, como se nada fosse, rodeados pelos circunstantes, boquiabertos. A certa altura, Filipe pergunta a Paolo se queria continuar vivo ou se preferia ir para junto da mãe e da irmã, no Céu. Paolo escolheu a segunda alternativa. No processo de canonização, o próprio pai testemunhou o acontecido: «Então, Filipe, na minha presença, deu-lhe a bênção e, impondo-lhe a mão sobre a fronte, disse-lhe –e eu o ouvi–: “Vai, sê abençoado e reza a Deus por mim”. E tendo Filipe dito estas palavras, Paolo, com o semblante sereno, sem fazer nenhum gesto, nas mãos desse bem-aventurado sacerdote, na minha presença..., voltou subitamente a morrer».

No castelo da família Massimo celebra-se todos os anos, no dia 16 de Março, data do milagre, uma Missa em recordação deste episódio.

Nestes dias, em que talvez morram conhecidos nossos vítimas do coronavírus, nestes dias que abalam o nosso sonho de vir a celebrar 100 anos, em que o espectro da morte nos espreita do lado de lá da porta da casa, Deus pergunta-nos o que preferimos. Um grande amigo meu respondeu-Lhe: «Senhor, deixo a minha vida nas tuas mãos. Sei que escolhereis o que for melhor para mim».

José Maria C.S. André
(5-IV-2020)

Fazendo jus a S.Felipe Néri, segue um sketch com uma das suas seguidoras mais fiéis da actualidade – Maria Rueff – num directo a partir do céu, gravado num pacato serão de Sábado de 2011, em que calhou juntar-se a dupla mais improvável: a Amy Winehouse e a Beatriz Costa… Daqueles acasos que só acontecem para lá das nuvens:



Ainda outro diálogo insólito e maravilhoso é protagonizado por uma irlandesa de 9 anos, hiper convicta no pedido e na argumentação, pondo à gargalhada os adultos no outro lado da linha. Nem conseguem disfarçar, limitando-se a distribuir auscultadores pelo maior número de colegas da empresa:


Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

2 comentários:

Anónimo disse...

MZ,
Um muito bom post que vive sobretudo de grande quantidade de «temas». Tem um percurso muito próprio e bem escondido.
Felicito-a
ao

Anónimo disse...

Que mensagem tão simpática e inspiradora, AO! MUITO OBRIGADA!

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