02 junho 2020

Duas Últimas

Muito provavelmente aconteceu comigo o que aconteceu com outros. Talvez mais com outros, dado o meu interesse menos entusiasmado pela chamada música pop do que a generalidade dos meus amigos da mesma idade. Contudo, em festivais, em boîtes, em festas ou, simplesmente, no remanso de um quarto, de um carro ou de um namoro, cantei muitas músicas pop. Hoje percebo que cantava muito sem perceber o que cantava; e percebo que a música, em quase todos os casos, tem mais poder sobre nós do que a letra. 

De facto, e na generalidade dos casos, cantava porque a batida da música - fosse lenta ou agitada - me impelia a isso. Talvez tenha mesmo, no desvario da minha adolescência, sei lá eu, cantado músicas que apelavam ao racismo, à expulsão dos professores, à morte dos padres ou ao incesto. Não sei, imagino eu. Não sei o que cantava, limitava-me a muitas vezes a papaguear palavras ao som de uma música que me agitava o interior.

Na sequência de uma das minhas leitura para efeitos de doutoramento (A Biography of Loneliness) li que Eleanor Rigby, uma música dos Beatles que conheço desde que ela chegou a Portugal, reflecte a preocupação que McCartney, o autor da letra, manifestava, desde criança, pelos idosos. 

[a título de curiosidade, estou a ler outro livro chamado A History of Solitude. Se Loneliness é solidão, solitude é estar sozinho... Dava-me jeito a facilidade dos brasileiros, que traduziram solitude (em inglês)... por solitude (em português)]

Eleanor Rigby seria uma velha solteirona que recolhe o arroz após um casamento que ela nunca gozará. Confesso que não fui investigar; mas fui buscar a letra para perceber que, de facto, cantei isto muitas vezes, talvez numa dada altura soubesse tudo de cor. Mas, na verdade, talvez não fizesse a mais leve ideia do que estava a cantar. Passadas algumas décadas, a pergunta all the lonely people / where do they all come from? já não faz sentido. Sabemos bem de onde vêm. 

JdB

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Eleanor Rigby

Ah, look at all the lonely people
Ah, look at all the lonely people

Eleanor Rigby
Picks up the rice in the church where a wedding has been
Lives in a dream
Waits at the window
Wearing the face that she keeps in a jar by the door
Who is it for?

All the lonely people
Where do they all come from?
All the lonely people
Where do they all belong?

Father McKenzie
Writing the words of a sermon that no one will hear
No one comes near
Look at him working
Darning his socks in the night when there's nobody there
What does he care?

All the lonely people
Where do they all come from?
All the lonely people
Where do they all belong?

Ah, look at all the lonely people
Ah, look at all the lonely people

Eleanor Rigby
Died in the church and was buried along with her name
Nobody came
Father McKenzie
Wiping the dirt from his hands as he walks from the grave
No one was saved

All the lonely people (ah, look at all the lonely people)
Where do they all come from?
All the lonely people (ah, look at all the lonely people)
Where do they all belong?


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