(Dos dicionários): Duque, título nobiliárquico, imediatamente superior ao de marquês.
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Na semana passada, por ocasião de um jantar de aniversário, recebemos em casa o 7º duque de L., convidado na condição de primo e amigo, não de titular. Puxo pela memória e olho em redor: era tudo família e, ainda que a nota seguinte pareça bizarra, gente com o liceu apenas, licenciaturas antigas ou modernas, mestrados feitos ou em vias de, hipóteses de doutoramentos. No meio de todos um duque, também com uma licenciatura que data do tempo em que Bolonha era apenas uma cidade italiana.
O que significa ser-se duque em 2015? Do ponto de vista legal, nada. Do ponto de vista histórico, já pouco. Do ponto de vista do mérito também nada, pois limitou-se a herdar, sem esforço, o que deixará a outros, até que tudo se perca na voragem de tempos diferentes. Do ponto de vista familiar alguma coisa, pois é o representante do ramo onde vou buscar o meu apelido; é, por assim dizer, o nosso "chefe".
A frase "recebemos em casa o duque de L." pode ser lida como um exibicionismo pateta, uma snobice ridícula, um pretensiosismo deslocado. Mas a mesma frase pode ser uma bandeira que combate a ideia demolidora do "já não faz sentido nos dias que correm..." que eliminou tradições e nos condicionou a viver irremediavelmente no momento presente, como se não houvesse ontem e a beleza das coisas não persistisse para além das modas.
Adquirir um grau académico é a persistência do esforço: requer trabalho continuado, por vezes doloroso e isolado dos outros. É um sinal de alguma excelência ou, pelo menos, de labor. Estuda-se para se ser mais, para se ter mais, para se ir mais longe na satisfação própria ou na carreira e, com isso, ganhar estatuto ou qualidade de vida. Por outro lado, os títulos nobiliárquicos já não garantem prebendas nem significam particular mérito. Bem usados, são apenas uma responsabilidade, o dever de honrar um nome antigo ao qual foi acrescido um título também já antigo. Ser-se duque ou marquês é, por isso, a persistência da memória.
O mundo de hoje é utilitário, eficiente, prático, ao qual a memória humana não faz falta. Não precisamos de nos lembrar de nada porque está tudo no infinito google ou na imperfeita wikipédia. O que quisermos saber do passado está no éter, não no nosso cérebro; está numa peça de equipamento made in china, não num espaço do corpo que estabelece sinapses e se comove. A nossa lembrança das coisas antigas (relativamente às quais já não temos interlocutores vivos) é uma artificialidade tecnológica, não um saber que se transmitia oralmente.
A existência de um duque, que já só tem, aparentemente, uma valência vagamente estética, é uma arma empunhada, não contra a cultura do mérito e do esforço, mas contra a ideia do presente absoluto. Um duque ou um marquês ou um dom antes do nome são a evidência de que todos nós somos uma História que já existia antes dos pais dos nossos pais, História essa que é contemporânea de um tempo que se media em séculos, não em velocidade do sinal ou em largura da banda. A existência de um duque não configura um revivalismo, apenas um fio condutor que se pretende intacto. Infelizmente o combate está irremediavelmente perdido, pois a memória de hoje serve o imediato, o comando informático, a programação de dispositivos, a vida vivida ao ritmo de um aparelho de cozinha alemão.
A persistência da memória é uma arma contra a ditadura do instante imediato. Um duque não é mais nem menos do que ninguém. É apenas alguém que nos liga ao que passou de moda, ao que faz ainda sentido, apesar de já não parecer fazer sentido.
JdB
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* publicado originalmente a 21 de Outubro de 2015. Republico com gosto, porque ontem faria anos o 7º Duque de L., se ainda estivesse entre nós.
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