A Ucrânia está na hora do dia. Nada que possamos ter vivido nos faz imaginar o que é a angústia e as dificuldades da população, o nível de ansiedade e de preocupação por um futuro que, em sendo optimistas, é interrogado. Os pessimistas - ou os realistas? - saberão o que vai passar-se: uma desgraça em tempo real, sem que o mundo ocidental faça nada - porque não pode ou porque entende que não deve.
Por razões óbvias acompanho o drama da comunidade da oncologia pediátrica: crianças que fazem quimioterapia nas caves dos hospitais ou nas estações de metro, tratamentos que se atrasam com consequências potencialmente dramáticas, falta previsível de medicamentos, diagnósticos que se farão demasiadamente tarde. A acrescer a isto, os pais destas crianças na guerra, as mães a aguentarem tudo sozinhas, a tomar conta de outros irmãos ou de gente mais idosa que também sofre e tem limitações.
Pela primeira vez na vida acompanhei de perto as estratégias para minorar o sofrimento destas crianças: grupos de trabalho que se reunem diariamente para actualizar informações, para identificar corredores humanitários negociados com governos, para reportar o sucesso de transportes aéreos específicos ou a capacidade instalada para receber estas crianças.
Não falamos de milhares de crianças; não falamos de gestos heróicos ou de movimentações secretas. Falamos apenas de dedicação, de colaboração, de partilha de informação, de pessoas dos Estados Unidos, da Polónia, da Áustria, de Inglaterra ou de Portugal, que se reunem para garantir que ninguém fica para trás, que cada criança ou adolescente que morrerá - e nunca saberemos o número de crianças que morreu por falta de tratamento atempado - é o regresso à barbárie e à escuridão da alma. Provavelmente, à hora a que este grupo se reune, reunem-se outros grupos para tratar de outras comunidades de gente vulnerável.
No fim de Spanish Train, de Chris de Burgh, o narrador diz:
The Lord and the Devil are now playing chess
The Devil still cheats and wins more souls
And as for the Lord, well, he's just doing his best
O mundo é este spanish train, onde o melhor da humanidade se confronta com o pior da humanidade. Espero que consigamos fazer mais do que apenas o nosso melhor...
JdB
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