04 janeiro 2024

Da sageza dos centenários

Leio no Sapo online desta semana que morreu o idoso mais velho de Itália e, penso, segundo mais velho da Europa. Tinha 111 anos e uma alcunha que não retive, mas que era seguramente ternurenta e adequada a alguém com daquela idade, um idoso que suscitaria sorrisos amáveis e festas numa mão emagrecida. Conheci pessoas assim - não tão velhas - cuja idade atenuava o ridículo de uma alcunha que só se compreende quando o ser humano tem 3 anos ou 93 anos, mas que é esteticamente desafiante quando essa pessoa quer singrar na vida afectiva ou na vida profissional e, em vez de se chamar Carlos ou António, é conhecido pelo Cácá ou pelo Bolinhas. 

Gosto de ler o que estes centenários revelam ser o segredo para sua longevidade. Em bom rigor não são segredos iguais aos que algumas cozinheiras do meu tempo tinham para justificar a magnificência do seu Toucinho do Céu. Talvez não sejam segredos, mas hábitos de vida que se adequam a uma natureza. O italiano, por exemplo, comia refeições leves sempre acompanhadas de vinho, não fumava, evitar o stress e encarava cada dia como uma dádiva. Outros centenários defendem a ausência de carne e o banimento do álcool. Outros ainda partilham com o mundo as virtudes do ioga ou do trabalho. 

Sempre que morre um idoso com 100 ou mais anos precipito-me para a receita que me fará chegar lá. Cedo percebo que me arrisco a ter de ser tudo e fazer tudo: praticar ioga, comer pouco, comer o que me apetece, não beber vinho, beber vinho, trabalhar até tarde ou não trabalhar muito. Se alargarmos estes ensinamentos aos centenários fora da Europa o caso torna-se mais complicado: conseguirei comer sushi todos os dias e fazer meditação num templo budista ou tocar ukelele ao por do sol?

O filho do centenário italiano afirma, com uma segurança toda feita de ternura e fé, que o pai junta-se agora à sua mãe (mulher do idoso), que o aguarda há 40 anos. Ora, esta frase suscitou-me de imediato dois pensamentos:

1. Como crentes (sendo italiano, é provável que o falecido o fosse)  devemos acreditar que no Céu existe o conceito aguardar? Eu tenho alguém à minha espera no Céu? Haverá seres que, espreitando entre nuvens e anjos, olham para o relógio e, corroídos(as) de saudades, trauteiam o não venhas tarde do Carlos Ramos ou recitam o é tarde meu amor do poeta Al Berto?

2. Se o idoso sabia o segredo da longevidade (sendo certo que só quando se é velho é que se sabe se a fórmula funciona) porque não o partilhou com a sua esposa, mãe dos seus filhos e avó dos seus netos? Por que motivo deixaria que a senhora comesse massa ao jantar (sem vinho!), se preocupasse com as trivialidades da vida e fosse pouco grata? Por que motivo nunca lhe disse a viveres assim vais ter muito que esperar por mim no céu; talvez 40 anos, te garanto...

Gosto ler os segredos por detrás da longevidade. Alimento a esperança de que um idoso meio sábio partilhe com os incréus um pensamento roubado: o segredo de viver até aos 100 anos? Sei lá eu... Talvez não morrer antes.

JdB 

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