30 julho 2013

Duas Últimas (ou da gestão das amizades)

Como formamos amizades? Melhor ainda, como as mantemos? Poderíamos falar na antiguidade, no manancial de memórias comuns que revestem os amigos de um capa que os protege da erosão do tempo. Poderíamos falar na semelhança de interesses, sangue, percursos, que juntam seres humanos e lhes conferem um relacionamento mais ou menos duradouro. Poderíamos falar ainda da intensidade com que as pessoas convivem umas com as outras, o grau de intimidade, de proximidade, de partilha.

Não haverá, estou certo, argumentos que se excluam. Talvez a resposta à pergunta inicial seja apenas uma: tudo é possível, tudo é aplicável - a antiguidade, a semelhança, a proximidade, outras. Talvez uma resposta à pergunta inicial não esteja tanto na generalização do universo, mas na redução ao indivíduo: como formo eu as amizades, como as mantenho eu? Mesmo com este afunilamento do espectro não haverá, seguramente, respostas únicas. Se calhar a forma como criamos e mantemos os nossos amigos é mais uma vez díspar - a antiguidade, a semelhança, a proximidade, outras

Em momentos da vida de um indivíduo - e falo, sobretudo, da minha faixa etária - há escolhas que se fazem, porque somos amigos da maria e do manel e um deles desapareceu, porque somos amigos da maria e do manel e os dois estão desavindos, porque somos amigos da maria e do manel mas  aproximamo-nos naturalmente de um ou de outro. O que nos faz pender para a maria ou para o manel? O que nos faz continuar com um quando o outro desapareceu? Haverá respostas certas? Não sei, mas estou em crer que a proximidade é um factor importante. Não falo apenas da proximidade inerente a amizades antigas e militadas mas, sobretudo, da proximidade que advém da partilha da intimidade, da quantidade de vezes que abrimos a alma a quem, à nossa frente, aprecia um café e uma bola de berlim enquanto ouve as nossas angústias, as nossas incoerências, as nossas inseguranças.

Em momentos de viragem, dificilmente as amizades resistirão à antiguidade e à semelhança se a relação não tiver sido alimentada com outras coisas. Um pouco como se houvesse uma estética e uma rotina no relacionamento que não sobrevivem à eventualidade das escolhas, dos tempos difíceis, do desejo de interlocução e de intimidade, do lugar único à mesa que se prefere ocupar com um coração que se abriu connosco, e não com a finura de umas mãos ou com o porreirismo de uma conversa. 

Nicolas de Chamfort, francês e poeta, entre outras coisas, terá afirmado: M. dizia: "renunciei à amizade de dois homens, um porque nunca me falou de si, o outro porque nunca me falou de mim."   

Deixo-vos com Pavarotti and friends, porque me pareceu a propósito...

JdB

   

3 comentários:

Anónimo disse...

Belíssimo texto, JdB! Na mouche! Bjs. pcp

Anónimo disse...

É por estas e por outras que vale a pena regressar a este espaço.

Nada contra a espuma dos dias. Mas, de vez em quando, temos que ir além - ao encontro das (nossas) marés e dos complexos movimentos de rotação terrestres, lunares... humanos.

Um abraço,


Gi.

Anónimo disse...

Um sincero abraço de amizade, JdB


ahniziv

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