16 dezembro 2019

Ainda das relíquias

Leio, de forma entrecortada, Imagens Imaginadas, de Pedro Mexia (Tinta da China, 2019). Num dos primeiros textos, intitulado, O negativo, o autor fala do Santo Sudário, do que o rodeia do ponto de vista religioso e "científico". E diz a dada altura: "[a] datação através do carbono 14 torna improvável que o sudário tenha dois mil anos. Ainda bem que é assim, porque o catolicismo viveu demasiado tempo ligado a relíquias, fetichismos." E, já quase no fim do texto: "[é] provável que o Sudário de Turim não seja a mortalha de Jesus. É mesmo desejável que o não seja."

Nada me move à polémica com Pedro Mexia (meu actual colega num seminário de doutoramento e pessoa por quem tenho estima e consideração e com quem converso uns minutos, dada a nossa pontualidade...) até porque uma eventual polémica com ele me deixaria em lugar periclitante. Além do mais, o texto não se reduz às citações que aqui faço. Não obstante a prudência que deve ter o sapateiro em não tocar rabecão, não consigo deixar de discordar de Pedro Mexia. Sim, gostava que o Santo Sudário tivesse sido a mortalha de Jesus Cristo. Porquê? O argumento está num texto que publiquei aqui, neste estabelecimento, em Abril do ano passado. E de que reproduzo parte, com a vossa licença e compaixão.

JdB

---

(...) 

"Vem este arrazoado cansado e invernoso a propósito do Santo Sudário. Falou-se nesse tema há umas semanas, num almoço de amigos, a propósito de uma conferência. Voltei a ler sobre isso este sábado, no Observador. Vivia com a impressão que já se tinha provado que aquele pano não era do tempo de Cristo; fiquei depois com a impressão que sim, que é. Confesso que não sei bem o que pensar - e não sei se quero pensar muito. Uma parte do sudário é uma relíquia -  um osso, um prego que cravou Jesus Cristo, a coroa de espinhos que o Raposão traria à Titi, uma madeirinha (ou tabuinha?) aplainada por S. José. Uma parte do sudário é, repito, um objecto de devoção que não percebo bem, embora seja evidente a diferença relativamente ao eventual polegar de Santa Escolástica. A importância está em Jesus Cristo, não no que ele usou, mesmo que fosse naquilo que nos redime - a Cruz, a sepultura, a ressurreição.

Ora, há uma diferença no Santo Sudário. Um dedo é um dedo, um osso é um osso, um cabelo é um cabelo e, nesse sentido (e nesse sentido apenas) um cravo seria um cravo, uma madeirinha uma madeirinha. Porém no Santo Sudário há uma diferença substantiva: a manifestação de uma ciência que só poderia ser divina. Jesus Cristo, presumo eu, não foi pintado antes de ser sepultado. Ora, nesse sentido, não há razão, à luz da ciência, para que o corpo de Cristo ficasse marcado (talvez pintado seja demasiado profano...) naquele tecido que o envolveu. Houve uma explosão qualquer - uma libertação de energia, um milagre, algo não explicável à luz do conhecimento actual. É fácil cortar-se  uma falangeta, arrancar uma mecha de cabelo, rapar um bocadinho do madeiro onde Cristo agonizou. Mas ninguém sabia fazer aquilo com o Santo Sudário. É por isso, e só por isso, que eu gostaria que o Santo Sudário fosse verdadeiro. Era o sinal do celeste, do espantoso - de tudo o que está acima da nossa compreensão e que nos remete a uma pequenez saudável." 

4 comentários:

Anónimo disse...

Pelas aparições e intervenções — falas — de Mexia, não o comprava nem por meio tostão furado. Sei que sou de amores e desamores, e o Pedro não ganhou lugar no meu coração.
Quanto ao Sudário, estou consigo. Quero lá saber do Carbono-14... Ninguém sabe, compreende, percebe, como é que a imagem está lá.
Continue a cumprimentar o senhor Mexia. Ele merece boa educação.

JdB disse...

ao,

Tente ler qualquer coisa dele; se não gostar à primeira, insista mais uma ou duas vezes. Esqueça o que vê na televisão; leia, apenas. Depois mantenha a opinião, se for caso disso.
Hoje (5ªfeira) falarei com ele sobre o sudário e logo contarei a conversa, se tiver ocorrido.
Obrigado.

Anónimo disse...

Como nunca li nada de um tal de saramago — só por ter sido o pulha que foi — está a sugerir-me um sumo-sacrifício que penso que ninguém merece. Quando o Senhor quiser, tropeço num texto do homem. Tem sido sempre assim em toda a minha vida. Ele tem-se encarregue de me educar.
Obrigado,
ao

Anónimo disse...

PS (lagarto, lagarto): não tenho TV em casa.
O senhor Mexia também me dá a entender a que ramo humano pertence: açeçor dum pr.
Conheço bem o pr desde o fim da sua adolescência. Nunca teria algum elo com ele. Apesar de saber que foi um excelente professor.
ao

Acerca de mim

Arquivo do blogue