02 abril 2021

Poema para o dia de hoje

Cristo 

À minha cabeceira o Cristo morre 
de puro dó. Silenciosamente,...
da cabeça, caída para a frente
um fio de sangue, ainda vivo, escorre.

Puseram-n'O ali como um remorso.
Não quiseram matá-Lo de uma vez,
pra m'O porem ali como um remorso.
Tem os olhos abertos. Tristes ... tristes ...
E a Sua boca quase que me fala,
como quem repreende meigamente.

Quando me vou deitar, já nem O olho.
Apago a minha vela bruscamente,
pra não ver os Seus olhos que me doem
como um remorso antigo.

Por que não ficou morto no Calvário,
apodrecendo aos Astros indiferentes?
Por que veio acabar para o meu quarto,
com estes olhos suaves que me acusam,
com estes lábios tristes que me pedem
que O não deixe morrer tão sem-razão?

Tem quase dois mil anos o meu quarto.
E em mais de mil das noites destes anos
eu apaguei a vela pra não ver
a agonia do Cristo, que me acusa.

Mas Ele rasga a escuridão da Noite.
Mas Ele rasga o sono em que me oculto
e vem, solto da cruz a que O prendi,
continuar, no fundo da minh'alma.
Seu estertor.
Seus olhos brilham mais, na escuridão ...
Pra de todo morrer,
como que espera apenas o segundo
de eu Lhe pedir perdão. 

Sebastião da Gama

1 comentário:

Anónimo disse...

Lindo!

Abr
fq

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