23 novembro 2022

Vai um gin do Peter’s ?

 EXPOENTE DA TERNURA EM PEDRA

Coube a um fotógrafo judeu naturalizado norte-americano, Robert Hupka (1919-2001), o privilégio de ter feito uma das mais completas coberturas fotográficas da Pietá, esculpida por Michelangelo Buonarroti com apenas 23 anos de idade! 

Além da beleza magistral da obra em mármore de Carrara, impressiona a abordagem revolucionária à representação de Maria a segurar o Filho morto nos braços, ambos exibindo uma perfeição anatómica invulgar e enlaçados numa harmonia plena de ternura e tranquilidade. O olhar doce dos dois é, só por si, um milagre, depois de atingidos por uma onda de violência tremenda. Michelangelo quis que o sofrimento associado àquela morte brutal não fosse a imagem de marca da escultura, mas antes a extrema e misteriosa beleza que une e emana de Maria e de Jesus. No fundo, confia que a última palavra na redenção cabe à beleza, e não à dor. Tudo lindo e pleno de significado, à italiana! Esta obra maior do florentino é a única que leva a sua assinatura em lugar muito visível, na faixa que colocou sobre o seio da Virgem.  

A fotorreportagem de Hupka foi captada em 1964, na Feira Mundial de Nova Iorque, aproveitando o facto de a Pietá do florentino ser a coqueluche desse certame. Rapidamente, conseguiu autorizações raras para ver a peça a todas as horas, acompanhar os trabalhos de bastidores, como o empacotamento da peça e até montar andaimes para a poder observar e registar de perspectivas menos visíveis. 

Robert Hupka nascera em Viena e fugira para os Estados Unidos no alvor da Segunda Guerra Mundial, escapando à perseguição aos judeus que vitimou os seus pais. Neto do compositor Ignaz Brüll, amigo de Brahms, Hupka interessava-se pelo registo das actuações musicais. É notável a sua série fotográfica aos ensaios do maetro italiano Arturo Toscanini a dirigir a NBC Symphony Orchestra acompanhada pelos solos do violinista Samuel Antek. Vieram a desaguar no livro «This Was Toscanini» (1963) e a ilustrar capas de CDs com actuações de Toscanini. 

Engenheiro de formação e especializado no registo da arte em diferentes suportes, Hupka ficou logo fascinado pela obra-prima de Michelangelo. Isso ressalta no rigor comovido com que capta a Pietá sob todos os ângulos e a todas as horas do dia para a apanhar sob as variantes de luz possíveis. A familiaridade que teve com a obra não banalizou o espanto inicial, antes o intensificou.  






Em 1975, uma selecção de 150 imagens da fotorreportagem de Hupka foi vertida para catálogo oficial à venda na loja dos Museus do Vaticano em edições multilingues. 

Na sinopse do memorável livro, o autor explica como, pela primeira, se deparou com “a verdadeira grandeza”: 

«Sinopsis

Author and photographer Robert Hupka writes: 

"Pieta, an Italian word meaning 'pity', 'compassion', 'sorrow', is derived from the Latin pietas, signifying 'loyalty to the highest degree......a profound love that neither life nor death can destroy.'

The classic meaning of the word pieta is the whole-souled abiding in the Divine Will, but it is also the name traditionally given to works of art representing the dead body of Christ in the arms of His Mother. 

All photographs were taken at the World's Fair, some during the preparations for the statue's crating. I was in the fortunate position of photographing the statue from angles never before seen. I took thousands of pictures, photographing from every angle at any hour of the day and the night. 

It was an experience that cannot be put into words, the experience of being in the presence of the mystery of true greatness. 

As I spent countless hours in these devoted labors of photography, the statue became to me an ever-deeper mystery of faith and beauty, and I was struck by the realization that Michelangelo's greatest masterpiece had never been seen in its full magnitude, except by a very privileged few." 

With 150 photographs and commentary, the reader can come to know the beauty and mystery of Michelangelo's most magnificent statue through the lens of Robert Hupka.»               

Na aproximação do Advento, a beleza bondosa da Pietá, que transborda da lente de Hupka, antecipa a beleza do nascimento do Bebé que Michelangelo imortalizou noutro momento crucial da sua entrega à Humanidade. Condensa o principal da resposta dada pelo escultor aos que estranharam que o rosto da Mãe fosse tão jovem como o do Filho: «As pessoas apaixonadas por Deus nunca envelhecem». 

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas) 

1 comentário:

Anónimo disse...

Para si — e claro, para quem quiser ouvir.
A desconhecida e linda Avé Maria de Michat Lorenc ilustrada por imagens da Pietá.
Aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=X3zZLcsZQQM

Cumpr
ao

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