Sou uma pessoa muito curiosa...
Esta frase, que todos já ouvimos muitas vezes, leva-me sempre a fazer uma pergunta a mim próprio: para que serve a curiosidade? Durante muito tempo alimentei uma convicção de que não pretendo abdicar, nem mesmo tendo ouvido gente culta a tentar-me convencer do contrário. Em bom rigor a tese não é minha, não me atiro tanto para fora de pé... A tese é a de que o conhecimento faz - ou pode fazer - de nós pessoas melhores. Isto é, há uma certa relação directa entre o que sabemos e a tolerância.
Há muitas formas de sermos boas pessoas: sendo bons chefes, bons vizinhos, bons Pais, bons cônjuges, bons amigos. O exercício das virtudes junto dos nossos mais próximos é uma condição necessária, ainda que não suficiente, para sermos melhores pessoas. Ora, a nossa humanidade pode provir de inúmeras fontes: da Igreja para quem for crente, da educação recebida em casa, do ambiente em que se cresce, da escola ou da rede social / familiar. Há, no entanto, uma fonte que muito contribui para a tolerância.
A Enciclopédia Católica Popular ensina-nos o que também pode ser a tolerância: [o] respeito pela liberdade e dignidade do próximo, procurando compreender o que há de verdade nas suas diferentes formas de pensar e de agir, nomeadamente através do diálogo. Este respeito, esta procura da compreensão da verdade do outro, não se constrói apenas em cima do conhecimento, mas assenta - e muito no conhecimento. Não falo apenas do conhecimento académico, mas do conhecimento adquirido através do contacto com os outros, com a diferença de culturas, de geografias, de modos de vida.
O conhecimento pode não ser mais do que um número de circo, a exibição de uma característica, como escrever-se com as duas mãos em simultâneo ou saber dizer as palavras ao contrário numa fracção de segundos. Na sua vertente mais fútil, o conhecimento é apenas o exercício de uma memória: sei muito porque me lembro de muito; e lembro-me de muito porque tenho uma memória muito boa.
Ser-se uma pessoa muito curiosa pode não ser mais do que ser-se uma pessoa muito curiosa. O importante perguntar é o que se faz com essa curiosidade. Um dia expliquei a uma amiga chilena quem era Sto. Ireneu - e esse personagem tornou-se uma private joke nossa. Perguntava-me ela muitas vezes: para que me interessa saber quem era Sto. Ireneu? E eu respondia-lhe: imagina que estás um dia com uma pessoa chamada Ireneu. Num instante podes falar-lhe de quem era o bispo e doutor da Igreja Católica. E assim se quebra um gelo...
Identificar Sto. Ireneu encaixa-se na ideia da curiosidade. Sabe-se quem ele era porque se fixou quem ele era. No minuto em que se faz alguma coisa com a ideia - nem que seja, na sua versão mais infantil, pôr uma pessoa a rir - essa curiosidade tornou-se conhecimento. O conhecimento é a curiosidade em movimento, é o estabelecimento de um qualquer comércio humano. Ser-se curioso para consumo próprio é a gula sem o prazer sensorial - serve para quê?
JdB
Sem comentários:
Enviar um comentário