Dubai, Junho de 2024 |
Eu sou uma fazedora. E não imagino como vai ser quando deixar de poder fazer.
Não cito a frase verbatim, mas o espírito é este. Oiço-a de uma querida amiga com quem almocei a semana passada numa esplanada de bairro. O dia está simpático e alongamo-nos na conversa: as vidas de algumas pessoas que nos estão mais próximas, as nossas próprias vidas, o futuro possível, os projectos para os dias que estão para chegar. Falamos de solidão: dos que a têm e reconhecem, dos que a não têm, dos que dizem que a não têm, do que significa, na verdade, solidão.
Para esta minha amiga, a angústia (a palavra é minha) está no já não poder fazer. Para o meu Pai, que se manteve totalmente lúcido até à antevéspera de morrer, aos 94 anos, o desânimo instalou-se no momento em que perdeu a autonomia, quando deixou de poder apanhar transportes públicos para ir onde quisesse. Para um amigo mais recente, a tristeza está na sua viuvez de meses, na casa onde entra todos os dias e já não encontra ninguém. Para outros, a infelicidade está na ausência de alguém com quem partilhar uma vida ou, numa visão mais modesta, os dias excessivamente longos.
Um dicionário online diz-nos que solidão é estado do que está só, isolamento. Nunca como hoje se falou tanto de solidão - e ainda bem. Fala-se da solidão dos velhos, abandonados à sua sorte pelo egoísmo ou dificuldades dos mais novos; fala-se da solidão das gerações modernas, jovens enfiados na penumbra dos quartos a comunicarem de forma virtual. Fala-se na enorme solidão de um mundo conectado como nunca. Já o Eça, falando de viagens à Condessa de Ficalho, mencionava a melancolia infinita que inspiram as multidões estranhas, uma certa forma de solidão de quem se sente rodeado de pessoas que não falam a sua língua (e esta expressão língua deve usar-se de modo metafórico).
Talvez o mal dos tempos modernos não seja a solidão, stricto sensu, mas uma espécie de tristeza que advém da falta de algo. Nada me garante que quem vive sozinho tenha solidão e nada me garante que quem vive sempre em agitação não a tenha. Talvez não devamos falar de solidão, mas de privação ou carência que assumem diversas formas. Ou talvez devêssemos chamar solidão a tudo isto: à perda de actividade profissional ou de autonomia por via da obsolescência ou da velhice, às saudades de alguém importante que morreu, à vida numa casa grande demais porque o telefone não toca. Também poderá ser solidão - neste definição forçosamente ampla a que me atiro - uma vida sonora que não permite, ou que propositadamente evita, a escuta de uma voz interior.
A conversa com esta minha amiga começou com uma pergunta importante lançada para a mesa: vamos lá definir o que é isso de solidão.
JdB
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