10 fevereiro 2025

Da arquitectura do coração *

 

Toronto, Outubro de 2014


Recupero parte de um raciocínio que não é inteiramente meu, mas sobre o qual me apetece discorrer.

Imaginemo-nos, ao nível da nossa vida mais intangível - sensações, sentimentos, afeições, humores - como uma cidade. Façamo-lo sob o ponto de vista da arquitectura e da construção civil, sendo que poderemos não excluir outros. Como se desenvolve uma cidade nos dias de hoje? Destruindo e reconstruindo, edificando ao lado do existente, aproveitando o que existe, para aumentar. Podemos construir um condomínio de luxo nos escombros do que foi um cemitério? Sim, podemos, mas temos custos de emoção. Podemos deitar abaixo um prédio fora de moda, apesar do seu valor histórico, para mostrar à polis uma arquitectura nova? Sim, podemos. Podemos aumentar andares numa edificação existente? Sim, podemos. Podemos construir ao lado do que existe? Sim, podemos.

A nossa vida sentimental, no seu sentido mais amplo, é uma cidade moderna. Nem tudo se substitui, nem tudo se acrescenta. O equilíbrio do coração reside no equilíbrio da construção da cidade, em saber o que deve demolir-se, o que pode conviver, sobre que escombros podemos fazer renascer um palacete ou uma habitação social, porque falamos de riqueza ou de sobrevivência. Por vezes acumulamos, isto é, acrescentamos um andar ao que já existe, e que tem a sua importância relativa. Por vezes é necessário uma visão de retoque, outras vezes de melhoria disruptiva.

Perceber tudo isto é viver melhor, porque o coração também vive de arquitectura paisagística.

***     

O raciocínio acima é fortemente original? Talvez não, porque é um raciocínio intuído. Sabemos que o segredo da nossa vida intangível passa pela acumulação e substituição em doses equilibradas de sentimentos, relações, memórias. Perceber esta realidade, traduzi-la por palavras escritas ou faladas, ajuda em quê? Para que serve, em última análise, ter uma explicação para o que somos ou fazemos? Somos mais felizes se soubermos as motivações por trás disto ou daquilo, se soubermos a importância da sobreposição de camadas afectivas, se soubermos que os nossos equilíbrios se constituem, tantas e tantas vezes, por aquilo que aparenta antagonismo? Dar um nome às coisas faz de nós pessoas melhores / mais felizes / mais equilibradas? Ou como se costuma dizer, a ignorância pode ser uma benção? Se sim, então a terapia deveria ser subsidiada pelo que resta do serviço nacional de saúde.

JdB

* publicado originalmente a 25 de Novembro de 2014

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