24 outubro 2014

Da rota da saudade

No voo da saudade

Foram precisos muitos anos para saber o que era uma palete; foram precisos ainda mais anos para descobrir o encanto por trás da expressão canal HoReCa; por último, foram preciso mais anos ainda e a rotação de gestores para travar conhecimento com a ideia cervejeira de mercado da saudade

Embarquei sábado passado em Lisboa com destino a Toronto, Canadá. A bordo, 95%, talvez, de emigrantes. Não vi jovens com idade para terem saído na véspera da faculdade; não vi gente nos seus 50 anos, aparentando negócios ou empregos em multinacionais. Vi, isso sim, gente de muita idade, acima dos 70 anos, seguramente. Mulheres de lenço, como se veria na província idosa de agora ou na cidade de há 40 anos. Vi gente com ar humilde, que engrossou a vaga de emigração dos anos 60 ou 70. 

Com uma coxia a separar-nos, uma senhora dos seus 65 anos precisou da ajuda da assistente de bordo para preencher o impresso da emigração. Não era uma problema de língua, porque a forma como assinou o documento transparecia um quase analfabetismo. O resto dos passageiros aparentava uma escolaridade, se não igual, ligeiramente superior.

Ver estes emigrantes - e um padre açoriano de que sou amigo frisou esse aspecto - é tirar o chapéu a uma gente que partiu com uma mão à frente e outra atrás, sem dominar a língua, a fazer, sabe-se lá, o baptismo de voo numa fuga da miséria para uma aterragem no desconhecido. Gente que mal dominava a língua pátria, mas que tinha dois braços e um destemor suficiente para acarretar baldes de cimento ou montar andaimes numa terra que os soube receber. Não digo nada de novo, mas o estabelecimento é meu, e por agora já chega de cancro infantil.

Estou certo que o voo da SATA que faz Lisboa - Toronto podia chamar-se a rota da saudade. É bonito e não ofende ninguém.

JdB

1 comentário:

Anónimo disse...

É por esta e por muitas outras razões que os açoreanos são um povo excepcional, filhos de uma terra excepcional.
Nunca deixa de me surpreender o facto de muitos portugueses do continente não conhecerem os Açores. É uma terra maravilhosa de uma beleza quase mística.

E já agora, esperemos que a abertura as ligações a Ponta Delgada às low cost no próximo ano não se traduza numa invasão caótica nem seja o prelúdio de uma massificação do turismo das ilhas que só os prejudicaria.
Os açoreanos e os Açores merecem melhor.

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