06 outubro 2014

Vai um gin do Peter’s?

No post de Segunda-feira passada, o JdB (dono deste estabelecimento) terminava com uma dupla citação dos filósofos Montaigne e Cícero, ambos concordando: «que filosofar não é outra coisa senão preparar-se para a morte, (…) aprender a morrer para saber viver...».(1)

Vêm os filósofos francês e romano a propósito da interligação misteriosa e indissociável entre vida e morte, que muitos encaram como uma passagem para outra Vida, essa definitiva e plena. Era assim que o entendia o meu pai, que hoje cito na sua reflexão sobre o que podemos deduzir acerca dessa realidade post mortem. No seu estilo sempre entusiasmado pela perspectiva científica, que lhe ficou da formação em engenharia e da longa carreira de professor no Técnico e na Católica, abordou a questão com enorme empenho, aplicando-lhe todo o rigor que pôde. Por isso, no Domingo 28 de Setembro, em que foi rezada a Missa de Corpo Presente em sufrágio pela sua alma, veio especialmente a propósito retomar o tema, tendo sido lido um excerto dos escritos(2) que nos deixou. Neles refere as inúmeras intercepções da ciência com as grandes temáticas da vida, como Deus, o sentido da existência, a realização humana, a ressurreição, etc. No seu entender, não há nenhuma incompatibilidade entre ciência (e toda a abordagem científica) e Deus. Antes se evocam e certificam mutuamente.

Aqui vão as suas palavras cheias de Esperança sobre o que vem depois, esperando que possam contagiar-nos com a notável Confiança que experimentou ao longo dos seus 90 anos:
       

Qual a palavra da ciência sobre o que é a ressurreição? Porquê acreditar?
Obviamente, a ciência nada nos pode dizer sobre a vida após a morte, porque ela lhe é inacessível. Mas diz-nos algo que é muito importante sobre as duas formas de vida que a antecedem: em ambas, tudo é compreensível e racional. Conclui-se, assim, que a ciência aponta como critério de verdade para decidir entre ressurreição e aniquilação (morte absoluta), a maior ou menor coerência e racionalidade da opção.

Note-se que esta questão é fundamental, porque, se não há vida para além da morte, nada faz sentido. Atrevo-me mesmo a dizer que, tendo cada um de nós o poder para antecipar a sua própria morte, a esperança (ou o temor) da ressurreição é a razão determinante que nos prende à vida.

Exponho, a seguir, além destas, as razões que tive em consideração para acreditar na ressurreição:

a) Era-me evidente que Deus Se quer revelar, e que efectivamente Se revelou, não só a mim mas a muitos mais, e em todos os tempos; e que quer estabelecer relações pessoais com todos os homens. Quem, como eu, aceite esta afirmação não pode admitir que, a seguir, Deus aniquilasse as pessoas com quem estabeleceu as relações que pretendia. Seria um absurdo. A morte não é, pois, o fim de tudo, é só uma porta que se atravessa, quando Deus dá por atingida a finalidade desta vida passageira.

b) Se não há vida para além da morte, o bem e o mal perdem o seu carácter absoluto. É certo que os anarquistas, por exemplo, negam este carácter absoluto – “não há bem nem mal” – mas a realidade é que todos, incluindo os anarquistas, vivem sempre referidos a algo que, criado por eles próprios, consideram bem ou mal. Com efeito, não só defendem o que se deve fazer (seja isso o que for), como perseguem os que se recusam a segui-los ou os contrariam.

c) Jesus Cristo, aos judeus que O questionaram sobre a ressurreição, lembrou-lhes que “o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob não é um Deus de mortos, mas de vivos”.

d) O preceito de Jesus Cristo, de “ser perfeito como Deus é perfeito”, caminho sem fim a prosseguir até ao fim desta vida, nunca atingível pelo homem, só faz sentido se for um objectivo possível de atingir, o que remete para além do fim desta vida.

e) Como meio para atingir o objectivo da alínea anterior, Jesus Cristo indica a mansidão e a humildade. Mas, para quê escolher viver assim, se não há consequências? Porquê não usar todos os meios, sem limitações, se até se adequam melhor aos nossos gostos nesta vida?

f) Jesus Cristo veio realizar a remissão do pecado. Mas a remissão foi feita para esta vida? Se não há outra vida, para quê a remissão dos pecados?

g) As razões indicadas nas alíneas d), e) e f) justificam que se considere esta vida de relação como um período intermédio, de transição, para cada um de nós aceitar Deus, como o Senhor, e atingir um objectivo – a perfeição do amor mútuo. Isto dá sentido a que Jesus tenha indicado meios para o atingir, e justifica, até, que esta provação ou merecimento se processe numa vida de relação, vida simultaneamente individual e colectiva.

h) Na ocasião das bodas de Caná, Jesus Cristo, ao fazer notar, antes de atender o pedido da mãe, que “ainda não tinha chegado a sua hora”, deu a entender, implicitamente, que a ocasião oportuna para a mãe fazer os seus pedidos seria depois da sua hora. Mas a sua hora foi a da crucifixão. Por isso, se não houvesse vida para além da morte, seria uma hipocrisia prometer à sua mãe que a atenderia após a sua hora, o que é inadmissível dada a consideração que tinha pela mãe.

i) Finalmente, Jesus Cristo pré-anunciou a sua própria ressurreição e, de facto, segundo todos os testemunhos, ressuscitou ao terceiro dia.
  (...)

Peço a Maria, mãe de Jesus, e minha mãe (“mulher, eis o teu filho”), que se lembre de mim na hora da minha morte.


Não é pouca coisa estes considerandos e a conclusão de capítulo terem sido escritos quando transbordava de saúde e se mantinha activíssimo, há poucos meses atrás. Confirma-nos que a forma incrivelmente rápida com que partiu não o terá apanhado desprevenido nem impreparado… De facto, o mistério que nos envolve a todos é indizível, embora 100% benigno, desde o nosso primeiro sopro de vida. E inspiradora a forma como Santo Agostinho O nomeia: «ó Beleza tão antiga e tão nova», reconhecendo que, no seu caso específico: «Estavas dentro de mim e eu estava fora, e aí te procurava... Estavas comigo e eu não estava contigo... Mas Tu me chamaste, clamaste e rompeste a minha surdez. Brilhaste, resplandeceste e curaste a minha cegueira

Haveria tanto para agradecer, nesta hora (naquele rol infindo, típico da noite dos Óscares), mas fico-me por desejar a cada um o melhor que testemunhei no meu pai: viver em crescendo, até à plenitude a que somos chamados. Afinal, ninguém merece menos do que o melhor do mundo, como quer que Lhe chame!
 
Maria Zarco
NOTA DE AGRADECIMENTO ao JdB pela delicadeza e eficiência com que resolveu o adiamento do “gin”, por impossibilidade minha de o postar na Segunda passada, conforme estava programado.
_____________
 (1)  Postado a 29 de Setembro.

 (2)  Livro que tem tido circulação privada, intitulado: «A CIÊNCIA, DEUS E O HOMEM», datando a última edição de Março de 2014.






4 comentários:

ALA disse...

Apesar de tudo, nunca estamos preparados para a partida dos nossos pais. Dói, dói sempre.
Flores, como diz o nosso grande poeta gi.

Anónimo disse...

Lindo, Emi. Como já te referi...bjs, pcp

Anónimo disse...

Se há tempo misterioso, em que se junta a dor da saudade (é tão difícil os olhos não verem!...) e saber que se partiu com muita paz para a eternidade, é mesmo esta! Obrig. ao gi e à pcp pelas vossas mens. amorosas, m.z.

Anónimo disse...

Ao ALA, peço desculpa pelo lapso no agradecim. que lhe era devido, m.z.

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