13 novembro 2014

Do silêncio e da lentidão

Toronto, Outubro de 2014


Dá Tempo à Tua Vocação

Nunca dês ouvidos àqueles que, no desejo de te servir, te aconselham a renunciar a uma das tuas aspirações. Tu bem sabes qual é a tua vocação, pois a sentes exercer pressão sobre ti. E, se a atraiçoas, é a ti que desfiguras. Mas fica sabendo que a tua verdade se fará lentamente, pois ela é nascimento de árvore e não descoberta de uma fórmula. O tempo é que desempenha o papel mais importante, porque se trata de te tornares outro e de subires uma montanha difícil. Porque o ser novo, que é unidade libertada no meio da confusão das coisas, não se te impõe como a solução de um enigma, mas como um apaziguamento dos litígios e uma cura dos ferimentos. E só virás a conhecer o seu poder, uma vez que ele se tiver realizado. Nada me pareceu tão útil ao homem como o silêncio e a lentidão. Por isso os tenho honrado sempre como deuses por demais esquecidos.

Antoine de Saint-Exupéry, in "Cidadela"

***

Publiquei este texto quase no início deste estabelecimento, embora já regressado do Zimbabwe. O silêncio e a lentidão são temas que me interessam, e sobre eles já escrevi. Um dia destes, uma escritora jovem que terá tido um AVC há uns anos mencionou numa entrevista a lentidão com que vive agora. E regozijava-se com esse facto. Esta semana, um amigo com quem converso amiúde lamentava, de alguma forma, a lentidão a que a idade o obriga a pensar as coisas, a fazer as coisas. 

Releio o texto acima. Não conheço o original, só esta tradução. Não sei, por isso, se Saint-Exupéry falou em lentidão, ou apenas em vagar. Lentidão aplica-se-me; vagar aplica-se a todos, creio eu. Aceitar o vagar (ou a lentidão, vá) das circunstâncias já é em si bastante. Acolher o vagar - ou mesmo a lentidão - é uma benção.

Digo eu, que gosto de dizer coisas.

JdB  

3 comentários:

Anónimo disse...

o vagar é rosto da serenidade e a urgência é espasmo da "maldita ansiedade".

Rita Freitas disse...

Diz e ainda bem que gosta de dizer, pois diz muito bem.

Gostei imenso de ler este texto de A. Saint.Exupéry palavras sábias e cheias de profundidade.

Obrigada por partilhar.

bjs

Anónimo disse...

Coisas que dizes bem e em bem...JdB.
Agradeço.

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