20 março 2015

"O Fado, canção de vencidos"

Poucos temas foram tão cantados em fado como a traição, a desventura no amor, o ciúme. A esse propósito, diz Alberto Pimentel no seu Triste Canção do Sul – Subsídios para a história do fado (1904):

Uma das coisas que mais custam a compreender na vida do fadista é o ciúme que ele tem da mulher perdida, que todos os dias se vende ao primeiro homem que passa.
Interesse? Afeição? Tudo isto, talvez, porque o fadista vive à custa da depravação da amante, mas quando o ciúme o domina dir-se-ia haver nesse sentimento o que quer que seja superior ao interesse material.
(...)
Do que ele tem ciúme não é das carícias que a sua amante vende; é daquelas que ela pode dar por um impulso espontâneo do coração.
(...)

***

Carlos Augusto Conde [1901-1981] nasceu na freguesia da Murtosa, concelho de Aveiro. Em 1936 vem para Lisboa, à procura de melhores condições de vida. Das suas três filhas, duas morreram na mesma semana, por doença, com 7 anos e 1 ano de idade. Profissionalmente trabalhou a maior parte da sua carreira como chefe de escritório na firma F. H de Oliveira, na Av. 24 de Julho. Morreu atropelado por um automóvel que galgou o passeio e o foi colher, com mais dois amigos, estando todos placidamente sentados numa esplanada (Poetas Populares do Fado Tradicional, Daniel Gouveia e Francisco Mendes, 2014).

Fernanda Maria canta o ciúme, visto pelo lado da mulher. A letra de um fado é (quase) sempre um conto: apresentação dos personagens, enredo, desfecho. Carlos Conde conseguiu o pleno. Um homem que podia ter escrito apenas sobre a desgraça, que já tinha inspiração suficiente...

A música é do fado Alberto, autoria de Miguel Ramos.

Não passes com ela à minha rua

Ao fim de tantos anos de ser tua
Amaste outra, casaste, foste ingrato
Vi-te passar com ela à minha rua
Abracei-me a chorar ao teu retrato
  
Podia insultar-te quando te vi
Ferida neste amor supremo e farto
Mas vinguei-me a chorar, chorei por ti
Por entre as persianas do meu quarto
  
Eu bem sei que me tentas convencer
Mas o que me propões, não é bastante
Se não servi, p'ra ser tua mulher
Também não devo ser a tua amante
  
Casaste, sê feliz, Deus te proteja
Não te desejo mal, e tanto assim
Que não tenho ciúme nem inveja
Como a tua mulher teve de mim
  
Mas olha meu amor, eu não me importa
Antes que fosses dela, eu já fui tua
Podes sempre bater à minha porta
Mas não passes com ela à minha rua


JdB


1 comentário:

Anónimo disse...

ou de Vencedores

Se de mim nada consegues
Não sei porque me persegues
Constantemente na rua
Sabes que sou casada
Que fui sempre dedicada
E que não posso ser tua

Só porque és rico e elegante
Queres que eu seja tua amante
Por capricho ou presunção
Eu tenho um marido pobre
Que possui uma alma nobre
E é toda a minha paixão

Rasguei as cartas sem ler
E nunca quis receber
Jóias ou flores que trouxeste
Não me vendo nem me dou
Pois já dei tudo que sou
Ao amor que não conheces

Link: http://www.vagalume.com.br/lidia-ribeiro/perseguicao.html#ixzz3Uux4GnGm

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