13 novembro 2019

Daquilo que é demasiado cedo para saber

Contam-me uma história de Xu Enlai, primeiro ministro chinês entre 1949 e 1976. Um dia ter-lhe-ão perguntado qual a influência da Revolução Francesa. A sua resposta foi enigmática: é demasiado cedo para saber. A história serviu para reflectir sobre o conceito de tempo no Ocidente e no Oriente, sobre o facto dos chineses pensarem em termos de séculos, por oposição ao imediatismo dos políticos ocidentais. Acontece, segundo vim a saber, que há um enorme equívoco nesta história. Ao que parece, a resposta do político chinês era, não sobre 1789, mas sobre 1968. Uma frase profunda tornava-se numa frase perfeitamente prosaica.

De alguma forma o twist da história destrói o meu raciocínio. Assim sendo, volto ao princípio.  Contam-me uma história de Xu Enlai, primeiro ministro chinês entre 1949 e 1976. Um dia ter-lhe-ão perguntado qual a influência da Revolução Francesa. A sua resposta foi enigmática: é demasiado cedo para saber

Há uma expressão que eu detesto particularmente: cumplicidade. A ideia de cúmplice não me afecta, mas a expressão cumplicidade bole-me com os nervos. E, no entanto, há uma ligação muito forte entre a frase de Xu Enlai - é demasiado cedo para saber - e a ideia de cumplicidade. Porquê? Porque ambas assentam no tempo. 

Imaginemos um jovem casal. Um dia, ao jantar, alguém pergunta ao marido o que ele acha de um determinado projecto de negócio. O marido responde: é interessante. No dia seguinte, esse alguém telefona à mulher e pergunta:  olha lá, o que é que o teu marido quis dizer com 'é interessante'? A mulher, precavida, dará uma resposta enigmática: é demasiado cedo para saber. Só mais tarde, com o conhecimento da conjugalidade, é que ela poderá dizer que interessante quer dizer interessante ou que interessante quer dizer é uma porcaria

Num certo sentido, não existem dicionários; ou os dicionários da conjugalidade - que assentam na decifração de palavras e gestos - são edições de autor com uma tiragem de um ou dois exemplares. Só num mundo asséptico é que as palavras querem dizer o que vem nos dicionários corriqueiros. Interessante, olha!, pois deixa-me pensar, significam tudo e o seu contrário. Há pessoas que decifram tudo num instante, têm este dicionários de gestos e palavras intuídos, sabem em que pensa o seu companheiro numa sala com 500 pessoas, afastados de 50 metros; outras recorrem ao espera um bocadinho, porque nunca saberão interpretar o companheiro, mesmo que ele esteja ao seu lado. Porquê? Porque quando se lhes pergunta sobre a influência da Revolução Francesa respondem logo com uma teoria, quando deveriam dizer é demasiado cedo para saber

JdB  

4 comentários:

Anónimo disse...

Um artigo interessante que me pôs a pensar.
Concluí que é mesmo demasiado cedo...

Abraço do ao

ACC disse...

gostei muito desta reflexão
cumplicidade e cedo para saber. Noção do tempo, talvez timming também

JdB disse...

ao e ACC,

Obrigado pela visita, embora seja cedo para perceber, é tarde para agradecer.

Anónimo disse...

JdB,
linda resposta!
ao
a_lcoólico anónim_o

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