10 setembro 2024

Pensamentos e poemas dos dias que correm

 As frases que nunca escreverei, as paisagens que não poderei nunca descrever, com que clareza as dito à minha inércia e as descrevo na minha meditação, quando, recostado, não pertenço, senão longinquamente, à vida. Talho frases inteiras, perfeitas palavra a palavra, contexturas de dramas narram-se-me construídas no espírito, sinto o movimento métrico e verbal de grandes poemas em todas as palavras e um grande entusiasmo, como um escravo que não vejo, segue-me na penumbra. Mas se der um passo, da cadeira, onde jazo estas sensações quase cumpridas, para a mesa onde queria escrevê-las, as palavras fogem, os dramas morrem, do nexo vital que uniu o murmúrio rítmico não fica mais que uma saudade longínqua, um resto de sol sobre montes afastados, um vento que ergue as folhas ao pé do limiar deserto, um parentesco nunca revelado, a orgia dos outros, a mulher, que a nossa intuição diz que olharia pra trás, e nunca chega a existir.


Bernardo Soares, in "Livro do Desassossego"

***

Eu Queria Ter o Tempo e o Sossego Suficientes

Eu queria ter o tempo e o sossego suficientes 
Para não pensar em coisa nenhuma, 
Para nem me sentir viver, 
Para só saber de mim nos olhos dos outros, reflectido. 

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" 

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