12 janeiro 2011

Moleskine

Numerologia. Ontem o dia poderia ter-se escrito 11.1.11. Uma capicua. Mão amiga escreveu-me lembrando a data – em tamanho 111. Dizem que o número 11 tem significados importantes sobre os quais a minha vasta ignorância nada sabe. De facto, o que não sei encheria várias bibliotecas. Se alguém quiser iluminar-me agradeço. Lembro que ensinar os ignorantes é uma obra de misericórdia.

Texto. Várias mãos amigas mandaram-me um texto do Padre Tolentino Mendonça sobre o tempo. Retiro um excerto (bolds no original): Nós dizemos, repetindo um provérbio que os latinos já usavam, que o tempo voa (tempus fugit). De facto, tudo o que é humano é feito de tempo, mas a experiência que mais vezes nos ocorre é a de não termos tempo. «Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante para ti», explicou a raposa ao Principezinho. Há uma qualidade de relação que só se obtém no tempo partilhado. Por alguma razão, esse raro Mestre de humanidade chamado Jesus, disse: «Se alguém te pede para o acompanhares durante uma milha, anda com ele duas». Só com tempo descobrimos tanto o sentido e a relevância da nossa marcha ao lado dos outros, como o da nossa própria caminhada interior. Sem tempo tornamo-nos desconhecidos. Sem tempo falamos, mas não escutamos. Repetimos, mas não inventamos. Consumimos, mas não saboreamos. É verdade que mesmo num rápido relance se pode alcançar muita coisa, mas normalmente escapa-nos o detalhe. E Deus habita o detalhe.

Festa. Sábado à noite, num espaço do Estoril. Por trás do balcão, dois cavalheiros mascarados de gueixas, abanando um leque displicente; em cima de umas colunas, jovens esculturais, aladas de luto, oferecem aos convidados umas flutes de champanhe pretas, sem base, com um pé em forma de estilete que, nas mãos do manequim de Cantanhede, vazariam uma vista. Num âmbito diferente, desde o karaoke no Pointe de Harare que não via uma misturada tão grande de pessoas: orientais, negros, judeus, gente de calças de ganga lado a lado com smoking e vestido comprido, o ilustre desconhecido ao lado da gente chique de Cascais; Nova Iorque, Londres e, quem sabe, Atibá em alegre confraternização. O mundo social não pára de me surpreender ou, numa visão mais realista, sou pouco mais do que um saloio.

Pensamentos. Nas últimas semanas almocei com primos com quem raramente estou, mantive longas e interessantes conversas de volta de um cigarro alheio, perdi e ganhei à mesa de cartas, conheci gente nova que espero se mantenha por aí, vi outros que se transfiguraram num encontro casual e que poderia ter sido fugaz; estive com pessoas de quem me considero amigo, que fecham um ano profissional e afectivo particularmente difícil, mas que não transgridem com a ética, reforcei ligações afectivas de ontem e de hoje. Gosto de olhar para tudo isto, minúscula amostra do que me é relevante, e realizar que a vida, apesar de tudo, tem sido generosa comigo. Qual o interesse deste parágrafo? Nenhum, provavelmente, para a maioria de quem me lê. São importâncias para mim, editor e dono deste estabelecimento.

Músicas. sete minutos e trinta e um segundos de contacto com o sobrenatural. Fechem os olhos, respirem e gozem. Se isto não é Beleza não sei o que é.



JdB

2 comentários:

Anónimo disse...

Gosto tanto do que escreve, JdB. Por que me faz rir, por que me faz sorrir, pensar, ligar coisas, por que tem um poder descritivo magnífico (semelhante, aliás, ao SdB III)... quanto ao acto de misericórdia e explicar-lhe o que significa o 111, infelizmente não o posso fazer. Mas tem algo a ver com o 3, não? Trindade, número divino, 1º número...? Que sei eu. Espero que tenha passado um óptimo dia 11. Bjs. pcp

arit netoj disse...

Os cientistas cognitivos constatam que o cérebro humano gosta de procurar padrões significativos no conhecimento do mundo.
O número 11, número mestre, significa que o universo está aberto a tudo o que se quiser...
Mas há mais... Aprendi a gostar de números e dos seus mistérios, da forma como podem dar sentido às nossas vidas, consigo. É divertido descobrir sincronicidades desde que não se apliquem de forma redutora.
Beijinhos

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