10 dezembro 2014

Dos olhos sobre o Natal

Fotografia de JMAC, o homem de Azeitão


Imaginemo-nos, gente díspar de sensibilidade e de gosto, de idade e estádio de vida, a olhar em simultâneo para uma grade de madeira, destas que se usam para a separação de espaços ajardinados ou como ajuda ao crescimento vertical das heras. Um olhará para as ripas de madeira que compõem a retícula; outro olhará para os espaços vazios que o material deixou a descoberto; outro ainda olhará para tudo - seja porque tem visão do conjunto, seja porque os olhos atravessam a matéria na procura de uma qualquer lonjura.

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Passei o fim de semana com gente por quem tenho uma amizade pouco superior a uma década, mas bastante partilhada. Num dos dias, numa conversa composta por um trio totalmente masculino, falámos inevitavelmente do Natal: o que vai ser, como se sente, que desejos. Em todos, talvez, uma mesma vontade pouco consentânea com a alegria, quase obrigatória, da época - que se passasse do dia 23 para o dia 27, sem passar pela partida e sem pagar os dois contos. E reforça-se o dia 27, porque a 26 ainda há papéis coloridos de embrulho a atapetar os sofás. 

O sentimento daquela conversa, sei-o bem, não se confina àquela gente específica. Outros amigos, com idade semelhante à minha, o revelaram também. É um sentimento generalizado, portanto, pelo menos numa classe de pessoas / idades. Gente a rondar os cinquenta e muitos / sessenta, e que ainda não é avô, algo que, estou convicto, faz toda a diferença.

O que aconteceu para nos termos tornado assim? O Natal é sobretudo, ou exclusivamente, uma festa das crianças, uma época de magia que os nossos olhos racionais e adultos mataram? Ou será, também, que o olhar para a grade ou para os interstícios - metáfora com que abri este pensamento - nos condiciona? Isto é, uns olham para as existências enquanto outros atentam nas ausências? Alega-se o cansaço da idade pouco compatível com as gritarias, as saudades dos ausentes, a confusão das refeições contínuas, a evidência das famílias que se afastaram, os afectos periféricos que ainda não se consolidaram, as tensões latentes, as desilusões ou as vidas menos folgadas, a difícil gestão das famílias alargadas. Aquilo com que vivemos relativamente bem quase todo o anos assume, na época natalícia, uma intensidade que nos esmaga.

Conseguimos resolver isto, em nome do nosso sossego interior e da felicidade dos que nos rodeiam? Sim, embora pareça desafiante. Tudo muda, repito, quando surge um neto, porque os nossos olhos reganham essa dimensão de magia e fantasia que potencia a alegria e os olhos sorridentes. Até lá é fazer o melhor possível, assumir a nossa condição de cristãos para quem o lugar geométrico do Amor é o menino Jesus deitado numas palhinhas. Tudo seria mais fácil se a totalidade dos nossos sentidos se focasse no presépio, nessa simplicidade divina que tudo vence e face à qual tudo é ridiculamente acessório e marginal. Mas isso...

JdB 

        

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