10 outubro 2024

Das qualidades

Gaivota vai com as outras: praia de Cascais numa destas manhãs

[Nota prévia: embora a conversa mencionada abaixo fizesse referência a qualidades de determinados homens e determinadas mulheres, por motivos de simplicidade usarei sempre o masculino.]

Um dias destes conversava com amigos sobre qualidades: que qualidades tinha fulano, que qualidades tinha beltrano. De um se dizia que era cuidador, de outro se dizia que era factor de equilíbrio; de um se dizia que era desembaraçado, de outro se dizia que era previsível; de um se dizia que tinha uma inteligência muito prática, de outro se dizia que era consistente; e assim sucessivamente. Num breve instante de 5 minutos se fez um retrato de um e de outro.

A conversa, só assim, é uma banalidade: todos temos qualidades, todos temos defeitos. Ora, o interessante neste tema era o tipo de qualidades: umas parecem ser qualidades activas, outras parecem ser qualidades passivas. Ou seja, a umas se associa uma acção, a outras se associa uma atitude. Ser-se cuidador, ou desembaraçado, ou prático implica movimento: cuida-se de alguém, resolve-se um problema inesperado, desmonta-se um fogão em menos de um fósforo. Já as outras não implicam movimento, mas, talvez, uma atitude perante um movimento desordenado, um momento de caos. Uma espécie de reacção perante uma espécie de acção.

Neste caso em concreto, há qualidades mais importantes ou mais adequadas? Não sei, e talvez não haja resposta certa. Tudo depende. Num mundo todo feito para a acção, é natural que as qualidades práticas se destaquem. Quem tem uma natureza voltada para o fazer, por certo que valorizará umas qualidades em detrimento de outras, sendo que a inversa também é verdadeira. Há quem possa usar um argumento forte, só aplicável para certas áreas da vida: se eu tiver uma avaria num fogão, contrato o serviço ou troco de equipamento. Porém, não posso contratar um serviço de estabilidade familiar.  

No decurso desta conversa também dizia alguém: não tenho mérito nisto; limito-me a disponibilizar o que tenho e o que sou, nada faço com esforço. Aqui a porca pode torcer o rabo para quem quiser torcer o rabo à porca: mesmo que reparar um fogão esteja na natureza de uma pessoa, ser prático em tempo de avaria é diferente de ser fiável em momentos de caos. A primeira requer um dispêndio de energia física que a segunda não requer; a primeira tem uma visibilidade que a segunda não tem - ou pelo menos uma visibilidade mais imediata. Nesse sentido, num primeiro olhar, ser-se desembaraçado tem melhor imagem do que ser-se previsível - imaginando que, numa dada altura da vida, a previsibilidade é um plus. 

O que nos diz esta divagação? Nada, a não ser o óbvio: que todas as qualidades têm a sua beleza, que o cumprimento de uma natureza se vê em tudo, da mecânica à fiabilidade, do desejo de cuidar à promoção do equilíbrio, e que nada é radicalmente melhor do que nada. Tudo está naquilo que cada um valoriza por aquilo que é e pelas suas necessidades circunstanciais. Bom, bom, é valorizarmos tudo, porque, como aprendi à mesa das cartas, cada jogo tem a sua beleza.

JdB 

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