07 outubro 2024

Dos amigos virtuais

 Mais do que um assistente, um companheiro

Ao contrário de outros dispositivos de IA que se focam em aumentar a produtividade, o Friend quer ser o teu novo melhor amigo. / Ele participa nas tuas conversas, faz comentários (às vezes até atrevidos!) e envia-te mensagens aleatórias ao longo do dia. / Confesso que fiquei um pouco cético no início. Será que um dispositivo pode realmente substituir a companhia humana? / Mas depois de ver o vídeo promocional, fiquei curioso. O Friend parece tão natural nas interações que é quase como ter um amigo invisível (mas que te ouve).

Amizade ou ilusão?

A questão que fica é: será que estamos a humanizar demasiado a IA? O Friend pode ser um companheiro divertido, mas será que pode substituir a complexidade e profundidade das relações humanas? / Se ficaste curioso e queres ter o teu próprio “amigo” digital, podes fazer a pré-encomenda do Friend nos Estados Unidos e Canadá. / O preço é de 99 dólares e, por enquanto, só é compatível com iOS. Mas quem sabe, se a procura for grande, talvez chegue a Android em breve.

O futuro da amizade?

O Friend é mais do que um dispositivo, é um vislumbre do futuro da nossa relação com a IA. Será que estamos prontos para ter amigos digitais? / Só o tempo dirá. Mas uma coisa é certa: o Friend veio para ficar e promete mudar a forma como vemos a inteligência artificial.

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Ouvi falar desta aplicação ontem. Fui investigar um pouco e percebi que tinha sido inventado por um ex-aluno de Harvard. O objectivo é que as pessoas se sintam menos solitárias com o Friend, um colar com IA e microfone com o qual pode conversar-se.

Para uma pessoa da minha idade, esta realidade arrepia. É uma surpresa? Não. Mas é aterradora: se for nas camadas mais jovens da sociedade, pelos problemas que causa em termos de relacionamento humano; se for na população mais idosa, pelo desespero que traduz.

Para uma pessoa como eu, que não tem redes sociais (com excepção do Linkedin) que não sabe como funciona o Instagram ou ex-Twitter, e que não tem qualquer interesse (nem sequer científico) em dominar o funcionamento, a utilização do telemóvel, para além do que é estritamente funcional e prático, já configura uma relação virtual. Ainda que do outro lado de um telemóvel esteja um amigo que me conhece bem, que sabe do que falo quando menciono o tópico A ou B, nada substitui o contacto presencial, ainda que só se discuta o tópico A ou B. Ou seja, posso saber tudo sobre a vida de alguém só conversando com esse alguém pelo telefone ou pelo zoom, mas isso não substitui o frente a frente. 

A solidão não se combate, seguramente, com um amigo virtual que nos faz comentários (às vezes até atrevidos); em bom rigor, a solidão nem sempre se combate com um telefone que (não) toca numa casa que parece grande de mais. A solidão combate-se com o toque humano, com a observação da linguagem corporal, com a identificação de um tom de voz, com uma atenção tão plena quanto possível ao outro. Saber tudo sobre a vida de alguém através de conversas diárias por telemóvel não é mais do que saber tudo sobre a vida de alguém. Mas não é, seguramente, conhecer a vida de alguém, nem é um combate saudável da solidão. É um artifício - e isso, como os cominhos, deve ser usado com parcimónia.

Dizem que nunca houve tanta solidão como neste tempo em que estamos todos conectados. Talvez porque digamos, para dourar o nosso sentimento de culpa (e eu disse-o!) que falamos todos os dias com fulan@, embora o que fulan@ queira seja uma visita, um abraço, um beijo - e não um telefonemaEm bom rigor, fulan@ pode viver a 45 minutos de nossa casa, mas a preguiça, a falta de vontade ou a falta de caridade impedem-nos de algo mais do que dizer: ainda ontem falei com... E a frase dá-nos um ar de atenção e de preocupação pelo outro que nos deixa dormir melhor à noite. Como dizem os ingleses, been there, done that. 

Imaginar a solidão de cada um colmatada por um amigo virtual pendurado ao pescoço é terrível. E mais terrível ainda é pensar que isso poderá ser o futuro. Ou, pior ainda, que pode ser a solução.

JdB 

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