25 julho 2009

Até à morte, Dr. Joaquim Teixeira de Vasconcelos?

Teria sido um erro. A inaptidão para os números, o tédio das ciências exactas, o horror às fórmulas. Trabalhar na terra, cumprir a lavoura, olhar os campos cultivados, esperar as colheitas. Catar cães e gatos, vigiar o gado, ir aos ovos, acarinhar uma ninhada, tirar o leite, rachar lenha. Adubar, sulfatar, sachar, regar. Era a minha vida, mas teria sido um erro. A agricultura precipitou-se, afinal, no abismo e morreu. O canudo de nada serviria. Foi duro apartar-me das pulgas e das ervas, e apanhar o comboio. Na cidade, novas colheitas e outros trabalhos, nunca desataram o nó. E o tempo trouxe-me um sonho, mais e mais persistentemente sonhado. Gostava que os homens do meu País me dessem o braço, erguessem os canudos, e voltassem a lavrar os campos, a ver crescer o pão, a comer o que é seu, a amar a terra abandonada.

Jamais esquecerei o momento em que um novo personagem quer substituir-se à nossa pessoa verdadeira. É o momento em que nos separamos da Natureza e nos adaptamos à sociedade. Essa transição do natural para o artificial é uma tragédia em certos temperamentos enraizados no âmago da terra. É uma tragédia que vai até à morte.

Teixeira de Pascoaes, in LIVRO DE MEMÓRIAS

DaLheGas

1 comentário:

Anónimo disse...

O Gandhi, e concerteza muitos outros, defenderam esta teoria, sabia DalheGas? Até o poderosíssimo Tolstoi, em meados da sua vida, se entregou ao trabalho do campo. Cada um teria as suas motivações. Mas a essência era a mesma: estar em contacto com a Natureza, ver a vida crescer, sentir o ritmo dos dias, ter espaço, ar puro, tempo e, em última análise, ganhar mais tranquilidade. Coisa que a cidade não proporciona muito, não é? pcp

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