14 fevereiro 2011

Vai um gin do Peter’s ?


A origem do Facebook é bem contada no filme «A Rede Social»(1), que já soma Globos de Ouro e outros galardões cinematográficos, sendo candidato a 8 óscares. Ainda assim, mais do que a história pura e dura de uma empresa florescente e do seu genial mentor, a película de David Fincher narra a génese de uma ideia que corporaliza hábitos e gostos de socialização, que ritmam o dia-a-dia de muita gente. Tudo muito legítimo mas não, necessariamente, a puxar sempre pelo lado melhor das pessoas, embora o projecto sonhado por Mark Zuckerberg seja grandioso: «For me and my colleagues, the most important thing is that we create an open information flow for people. (…) The thing I really care about is the mission, making the world open.»

O rosto real de Zuckerberg

«Keep it cool» – divisa sonhada e cumprida pelo fundador para a sua obra-prima, o facebook.

O actor
Note-se que o facebook é, em si mesmo, um instrumento neutro, sujeito à utilização que cada um lhe queira dar (aplica-se aqui a célebre frase: «Não é a faca que mata mas o coração do homem»). Ainda assim, vale a pena explorar a reflexão muito realista plasmada no filme sobre os condicionalismos do facebook, utilizado por Fincher como metáfora da escalada do poder.

Das primeiras evidências nos criadores da mega-rede social – aos 19 anos – é o facto de serem barras a matemática, informática, etc. Tudo começa aí. Num momento crucial da gestação do facebook (no filme), o co-fundador brasileiro, Eduardo Saverin, escrevinha num vidro o algoritmo que utilizava para classificar os jogadores de xadrez. De facto, quando se privilegia a excelência do produto (no fundo, o primado do cliente), exigem-se qualificações sérias para se vingar no mundo empresarial. Esse é dos trunfos dos EUA, onde a meritocracia é devidamente recompensada, alimentando um círculo virtuoso que atrai os melhores ao proporcionar-lhes condições para desenvolverem os talentos e triunfar. Na película, o reitor de Harvard explicita-o, de modo cristalino, aos dois gémeos que se queixavam de alegado roubo de propriedade intelectual: aquela Universidade convidava os alunos a investir em novas ideias, e não em ficar-se por sonhos vagos que, eventualmente, inspirariam outros… Até serem aplicados, os sonhos podem não passar de nebulosas miragens. Um provérbio sábio (para os negócios), formula bem a questão, convidando a sonhar com as mãos.

Caloiros que se divertem em hobbies hiper inventivos, sem se poupar a esforços.

Na expressão de Mark: «The idea is that you build something really good in a night»

No mesmo sentido, os menos empreendedores, ainda que bastante endinheirados e bem nascidos, têm menos hipóteses numa sociedade que prefere os resultados à proeminência social. Uma perspectiva a que estamos pouco habituados nesta margem do Atlântico, minada pelo tráfico de influências. A poetisa russa, Olga Sedakova, faz o seguinte diagnóstico sobre a actual anestesia do Ocidente, «desmagnetizado» a seu ver, acabando por traçar a linha divisória entre as sociedades cristalizadas e as abertas à inovação: «Hoje (com) a cultura de massas… falta-nos o desejo do impossível. Mas sem ele, o possível torna-se vazio

O desenrolar da ideia luminosa do facebook está longe de ser cor-de-rosa. Desde o início, veio cunhada com as fragilidades que hoje lhe conhecemos. Um canal de comunicação explosivo, capaz de nos aproximar das quatro partidas do mundo, mas também exposto à coscuvilhice, ao oportunismo social e até à manipulação. Poder navegar na net sob anonimato comporta riscos. Por isso, acaba por também se tornar terreno fértil para loucos e máfias de tráfico humano, pois o bem e o mal coabitam ali com razoável descontrolo. Não por acaso, o genial Zuckerberg mantém um perfil hiper abreviado, sem se deixar enfeitiçar pelo furacão de pessoas virtuais que povoam a sua rede social. Aliás, ele é o típico nerd, nada fluente no social, embora um mestre em psicologia, que estudou em Harvard para enriquecer o seu currículo tecnicista. Ele, como ninguém, parece demonstrar-nos que os relacionamentos electrónicos – sem presença – são muitíssimo práticos para gerir negócios e organizar eventos, mas paupérrimos em humanidade. Significativamente, no último gesto do filme, Mark insiste em reatar um contacto (esse sim, afectivo), que mais sabe ele não estar à distância de um clique. Porque se chega mal ao coração através do teclado do computador…

Vale a pena determo-nos um pouco na personalidade riquíssima deste menino-prodígio, que sempre quis manter o facebook «cool», sem ceder ao dinheiro fácil da publicidade directa. A constância e uma certa sobriedade subtil são das suas imagens de marca, insistindo na informalidade descontraída dos tempos de caloiro em Harvard. Nos interesses postados no seu perfil denota-se a mesma simplicidade cool: «openness, making things that help people connect and share what's important to them, revolutions, information flow, minimalism.».

Talvez não seja óbvio que o génio dos computadores é lembrado pelos amigos do liceu por citar «A Ilíada» e devorar literatura da Antiguidade clássica. Já nessa época, dominava quatro línguas estrangeiras, que lhe franquearam as raízes da civilização ocidental: o latim, o grego clássico, o hebreu e o francês.

Nascido no seio de uma família judaica, continuou ligado à comunidade judia dos EUA, embora tenha perdido a fé na adolescência. Por ser daltónico, coloriu o Facebook no tom que melhor percepciona – o azul.

A onda de sucesso, desde o dia inaugural da mega-rede (4 de Fevereiro de 2004), é um feito que faz jus ao empenho de Mark em melhorar incansavelmente o seu programa. Nele, criatividade e empreendedorismo parecem inesgotáveis. Imperturbável ao triunfo, revelou uma maturidade invulgaríssima, praticamente imune ao deslumbramento, apesar de ser o magnata mais novo do planeta (tem hoje 26 anos)!

Em paralelo, as dificuldades cresceram na proporção directa do êxito: «you don’t get 500 million friends without making a few enemies», avisaram-no os mais veteranos. Choveram logo processos em tribunal, dois dos quais sobejamente exibidos no filme. Tudo dirimido ao ritmo célere e eficaz da justiça americana, envolvendo um processo negocial complexo, a culminar em indemnizações homéricas.

Co-fundação de amigos numa complementariedade

perigosamente desproporcionada.

É bem interessante o debate argumentativo entre as partes, quer ao nível dos universitários desavindos, quer dos respectivos advogados. Cito falas expressivas da personalidade de Mark:

- Resposta aos gémeos seniores, que tinham contratado um caloiro para desenvolver um programa sofisticado que nem em dias de inspiração poderiam ter produzido: «If you guys were the inventors of Facebook, you’d have invented it

- Diálogo demolidor entre advogado e réu (Mark):

Gage: «Okay - no. You don't think I deserve your attention
Mark Zuckerberg: «I think if your clients want to sit on my shoulders and call themselves tall, they have the right to give it a try - but there's no requirement that I enjoy sitting here listening to people lie. You have part of my attention - you have the minimum amount. The rest of my attention is back at the offices of Facebook, where my colleagues and I are doing things that no one in this room, including and especially your clients, are intellectually or creatively capable of doing. [pauses] Did I adequately answer your condescending question?»


A irreverência da idade potenciada pela consciência óbvia dos talentos

- Considerandos sobre propriedade intelectual: «A guy who makes a nice chair doesn't owe money to everyone who has ever built a chair.»

Retomando o filme, sublinharia as forças motrizes subjacentes à narrativa de Fincher que, a pretexto da origem do Facebook, nos lançam alertas demasiado actuais:

- o sucesso ao preço da solidão,

- o trilho agitado do poder vs o caminho sereno da afectividade,

Já sozinho a dirimir na justiça questões com ex-amigos e ainda colegas

- a colecção de perfis online vs os amigos de carne-e-osso,

- o mundo virtual vs o horizonte real, único espaço onde podemos, ou não, ser felizes. Nada menos do que isso!




A provar a importância dos estudos para se singrar na vida, um realizador dinamarquês concebeu um esplendoroso assalto à subcave de uma sala de ópera, protagonizado pelos gansters do Olsen Gangue, de uma erudição invulgar que incluía o domínio do solfejo! O mero improviso, a que estamos habituados, está longe de ser suficiente numa sociedade altamente competitiva. Já era assim em 1976, naquele assalto sincronizado com a Abertura da ópera «Elverhøj» de Friedrich Kuhlau, em audição no andar de cima. De partitura na mão, os meliantes alinharam maravilhosamente no concerto, com um rigor só comparável ao dos músicos! Talvez o maestro nunca tenha chegado a saber a composição total do seu corpo de orquestra – em especial dos solistas – naquela noite atribulada…





http://www.flixxy.com/olsen-gang-elverhoj-overture-comedy-film.htm

Uma comédia prenunciadora do profissionalismo requerido pela globalização

Maria Zarco

(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas, numa Segunda)

_____________

(1) FICHA TÉCNICA

Título original: The Social Network Tradução em Portugal: A Rede Social (2010)
Realizador: David Fincher

Argumento: Aaron Sorkin (do filme), Ben Mezrich (livro)

EUA, 120 min.

Columbia Pictures, Relativity Media, Michael De Luca Productions

Distinções: escolhido pelo National Board of Review como o melhor filme de 2010.

Elenco: além dos destacados abaixo, Bryan Barter, Brenda Song, Patrick Mapel, Joseph Mazzelo

ACTORES »»»»»

PERSONAGENS


Jesse Eisenberg

...

Mark Zuckerberg


Rooney Mara

...

Erica Albright


Armie Hammer

...

Cameron Winklevoss / Tyler Winklevoss


Andrew Garfield

...

Eduardo Saverin

3 comentários:

marialemos disse...

Olá Maria Zarco,
Interessante post o seu hoje. O mundo virtual versus o mundo real e os perigos do abuso da Maravilhosa Internet. Enfim podíamos comentar horas. As vezes ate apetece mandar a internet e afins dar uma curva.
De Dusseldorf com amizade

Anónimo disse...

MZ, não vou comentar o teu texto - muitíssimo bom, para variar - porque nada tenho a acrescentar e porque não simpatizo nem um bocadinho com o Facebook. Mas gosto da frase da tua "amiga" e poetisa russa: falta-nos o desejo do impossível. Sem ele, o possível torna-se vazio. Bjs. pcp

Anónimo disse...

Para Dusseldorf e para Lisboa bjs a ambas, concordando com os mixed feelings sobre o facebook, MZ

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