21 fevereiro 2011

Fórmula para o caos

Com surpresa, ou não, a música dos Deolinda intitulada Que parva que eu sou tem concentrado diversos tipos de debate e reflexões. Em principio, uma letra como esta não me suscitaria qualquer tipo de interesse, muitos menos apetite em tomar parte na discussão sobre a suposta geração lixada. No entanto, foi feito uma exaustivo aproveitamento político por parte da esquerda radical, e com isso, o irrelevante passa a constituir relevância. E, como lembrou Nuno Morais Sarmento, o impacto que causaram os Deolinda em nada enobrece as máquinas partidárias, que não foram competentes o suficiente para causar a pretendida atenção.

Para que saibam, tenho 25 anos e refuto integralmente esta nova deriva. Não obstante os vários erros cometidos pela geração anterior à minha, que em muito dificultam a inicio de vida da juventude. Refiro-me à lei das rendas, que não sofre qualquer tipo de alteração e actualização desde o tempo da outra senhora e impede que os jovens joguem o jogo do arrendamento imobiliário, pelo menos nos centros urbanos. Lembro-me do inqualificável regime laboral vigente em Portugal, que centrifuga a possibilidade de mobilidade no emprego, assistindo-se ao espectáculo degradante de diversos trabalhadores da geração de 60/70 a arrastarem-se nos postos, que não produzem o equivalente ao que auferem e aos sacrossantos direitos adquiridos que emanaram do PREC. Pior que os referidos anteriormente, se bem que deriva do segundo, é a proliferação dos recibos verdes. Desde a entrada em vigor do novo código contributivo, os trabalhadores a recibo verde sofrem todos os meses um autentico esbulho fiscal, transferindo para o Estado quase metade do que auferem.

Mas apesar de tudo, creio que a geração em que me insiro deve muitos agradecimentos às anteriores. Será que os Deolinda não querem escrever uma letra a agradecer o regime democrático em que sempre viveram? E que tal sentirem-se gratos por poderem estudar no ensino superior de forma quase gratuita (para eles e não para os contribuintes).

Talvez reflectirem sobre a integração europeia? Sim, foi conseguida pelos que estavam antes. E o alargamento do mercado de trabalho aos países comunitários? E a moeda única? Sabem os Deolinda que a concessão de crédito há 30 anos atrás era muito difícil de obter? Sabem que os níveis da inflação ascendiam a 30%? Têm de emigrar para conseguir emprego? E então? Consultem os números da emigração nos anos 60. Emigraram para poder trabalhar na sua área? Não. Os desgraçados que emigraram nos 60 fizeram-no para poderem sobreviver. Foram conduzir táxis para França, trabalhar como operários na Alemanha e como porteiros no Reino Unido.

Quando me inscrevi na faculdade ninguém me prometeu que com ao canudo vinha anexado um emprego. Apenas me fizeram ver que o canudo poderá servir como rampa de lançamento para a selva que é o mercado.

À geração anterior, bem como aos líderes políticos que os representaram, eu digo um MUITO OBRIGADO.

O Bloco de Esquerda, o tal partido que se agarrou como uma lapa aos Deolinda, anunciou a apresentação de uma moção de censura ao governo. Contudo, nem 24 horas após o anuncio, logo avisou que a moção não era para ser levada a sério. Era apenas um instrumento que visava uma clarificação à esquerda. Promover a clivagem com o PS depois da coligação presidencial.

Como não é difícil de percepcionar, a verdadeira razão da moção é velha batalha pelo palanque da extrema esquerda com o Partido Comunista. A disputa entre Trotskistas e Estalinitas permanece quente.

Pedro Castelo Branco

2 comentários:

Anónimo disse...

Que bom texto, PCB. Muitíssimo bem escrito, muito bem contextualizado, promovendo os lados positivos deste país sempre tão deprimido... é consolador ver que há pessoas que conseguem ver a luz por entre as trevas! No entanto, parece-me a mim que as trevas são mesmo grandes. E não consigo deixar de me preocupar seriamente com o futuro das pessoas mais novas da minha família (e de outras). E com as pessoas mais velhas também!! A ver vamos o que o futuro nos reserva. Obrigada pela sua esperança. pcp

Moutinho disse...

Bom texto apenas uma ressalva. Usar a música dos Deolinda e trazer os Deolinda para a discussão parece-me falta de rigor intelectual. Eles, a meu ver identificaram muito bem um problema. Há outros problemas, mas isso são outras canções. Não se pede aos Deolinda que resolvam os problemas nem que escrevam canções com os dados do INE. Os Deolinda são artistas e podem fazer o que quiserem. É interessante e triste assistir a uma intelectualidade que não sabe lidar com os seus artistas. É o que retenho mais sobre esta polémica.
M.

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