06 setembro 2016

Crónicas de um pré-doutoramento tardio

Soube ontem que a minha candidatura ao doutoramento em Teoria da Literatura foi aceite. Segue, abaixo, a minha proposta de intenções quanto à tese. Um dia, ao despojamento juntarei a metáfora. A ver o que sai daqui...

JdB

***

Less is more:
O despojamento como meio.


A minha dissertação tratará de uma diversidade de disciplinas às quais se aplica a ideia de despojamento; a noção de despojamento tem subjacente um certo intuito de eficácia de entendimento do essencial, mais do que de pobreza de vida. Este tipo de despojamento pode ser definido pela expressão less is more.

Arquitectos, artistas, filósofos e teólogos sublinharam frequentemente que o excesso de coisas – sons, imagens, materiais, informações – torna difícil a nossa compreensão do mundo, seja o mundo que nos circunda, seja o que habita dentro de nós. Quanto menos ruído houver – e este ruído deve entender-se metaforicamente – melhor e mais claramente perceberemos o que importa perceber.

Indico abaixo quatro caminhos possíveis que correspondem às quatro actividades a que aludi acima, e que gostaria de tratar na minha tese:

1) Arquitectura
Olhar para as obras do arquitecto Mies Van der Rohe não é (só) apreciar uma corrente, uma tendência histórica ou uma moda, mas perceber a mensagem que, na eliminação de todas as formas não essenciais, está subjacente a essa técnica de “pele e osso”: o despojamento do acessório para realçar a essência. 

2) Arte
Miguel Ângelo afirmou que via em cada bloco de mármore uma estátua; via-a tão claramente como se estivesse à sua frente, moldada e perfeita. O artista só tinha de desbastar as paredes brutas que aprisionavam a peça final para revelar aos outros olhos o que os seus já viam. Este tipo de percepção tem mais uma vez a ver com uma ideia de despojamento, de remoção do acessório para revelar o essencial.  

3) Filosofia
“Agora fecharei os olhos, taparei os ouvidos, porei de parte todos os sentidos, apagarei também do meu pensamento todas as coisas corpóreas ou, porque isto é quase impossível, não as tomarei em conta (...)”. A frase acima foi escrita por Descartes na sua Terceira Meditação. Para o filósofo, o trabalho de provar a existência de Deus (e a exstência do mundo)  passava por esta eliminação do que não é essencial.

4) Teologia
A História das igrejas cristãs está repleta de narrativas sobre ascetas, anacoretas, e eremitas. Recuamos dezassete séculos e consideremos o início do monaquismo. O que fizeram estes homens – seguidos por milhares de outros até aos nossos dias? Abandonaram o mundo barulhento e vazio para penetrarem no deserto, situação e lugar privilegiado para se confrontarem consigo mesmos, para verem a Deus. Numa vida despojada de ruído e de bens materiais, procuraram a intimidade com Deus. 

3 comentários:

Anónimo disse...

Gosto muito do tema e da forma como o mesmo é apresentado.
Tenho plena convicção de que, daqui a algum tempo, estaremos perante um trabalho iluminado e iluminador. Que quererei seguramente ler.
Um abraço e coragem para a empreitada.

gi.

Anónimo disse...

Esta partida é em si um corajoso despojamento. Boa viagem. Haverá tormentas, seguramente, mas no fim terá o JdB o privilégio do deslumbramento, da fascinação ao chegar ao continente da sabedoria.
Parta pois como foi no « o Mostrengo» de Fernando Pessoa.

arit netoj disse...

Grande novidade! Belo tema, boas meditações!
Continue a arriscar e a ser iluminado. Parabéns!
Beijinhos

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