21 abril 2017

2/7 *

Os oboés dão o tom. Lá maior. O maestro volta-se para a direita e, lentamente, com um golpe de pulso, acena aos violoncelos. Estes expõem o tema. Apenas as linhas gerais, o fio condutor.

O resto da orquestra está suspensa, muda. Os violinos, impacientes, preparam o arco. Encostam-no às cordas. Com o apontar da batuta, estas vibram em coro.

O céu começa a fechar-se. As nuvens juntam-se em cores de tempestade.

A primeira secção de violinos recomeça o tema inicial sobre os graves dos violoncelos. O tempo é mais rápido e o instrumento apresenta os capriccios próprios.

Entra agora a segunda secção. Complementa a primeira. Enche, a contraponto, os espaços que esta vai deixando vazios. Sobem os arcos de uma, descem os da outra.

O ar começa a escurecer, o vento sente-se. As nuvens, cada vez mais escuras, enrolam-se sobre elas próprias.

O primeiro violino toma o seu lugar. Eleva-se, sozinho, acima do resto. O vibrato agudo, cristalino, sobrepõe-se a qualquer outro som da orquestra. O maestro, com movimentos curtos e precisos, dirige os instrumentos. Com a batuta ordena que os violoncelos subam de intensidade.

Os graves são o suporte para todos os outros sons, são o chão onde caem.

A segunda secção de violinos, regida pelo maestro com gestos secos da mão esquerda, acompanha os violoncelos nesta escalada, num diálogo que, pouco a pouco, vai subindo de volume.

Um a um, os violinos que seguiam o tema acompanham o primeiro na escalada sobre o resto da orquestra. Camada sobre camada, agudo sobre grave, o quadro acabou de ser pintado.

A tempestade desdobra-se impaciente para trás e para a frente.

O céu abre-se em dois com o estrondo dos tímbales. O chão estremece a cada vibração da corda dos contra-baixos. Foge debaixo dos pés.

Um, um dois três, um.

As madeiras rangem, os metais brilham, os arcos retesam-se.

Os violinos, em voo rasante, numa ventania fria, puxam os cabelos de trás do pescoço. Elevam-se no ar, em rodopio, e caem no chão, em estilhaços.

A chuva dos violoncelos cai, numa dança furiosa com o vento. É atirada contra as paredes, contra o tecto, contra o chão.

Os metais polvilham o quadro com reflexos de ouro. Relâmpagos rasgam o ar, iluminando à sua passagem.

Os contra-baixos trovejam, graves, assustadores, a fazer tremer por dentro. As cordas grossas soltam, em estrondos, trovões curtos. Em simultâneo com os relâmpagos. A tempestade atinge o seu pico.

Dois minutos e cinquenta e dois segundos depois já se pode respirar outra vez.

SdB (III)

***

Publicado originalmente a 9 de Julho de 2009. Entre outros motivos porque ouvi a obra ontem, na Gulbenkian.


3 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom! Que criatividade este SdB(III), pena não nos brindar mais vezes com um ar da sua graça.

Anónimo disse...

Hear, Hear!

Anónimo disse...

Texto excepcional!

Como uma música destas exige...
fq

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