30 julho 2008

Até lá é isto...


- Tem ido ao meu blogue?
- Sim, todos os dias.
- E então, o que acha?
- Em tudo se vislumbra uma nota de tristeza…
Foi este o curto diálogo que tive, no passado Domingo, com alguém que me é próximo. Uma hora depois repetia a segunda pergunta da conversa a duas ou três amizades que conhecem relativamente bem a pessoa que sou e a minha circunstância. Recebi um conjunto de respostas que se enquadram na categoria das que não oferecem margem para dúvidas:
- Talvez, talvez. Pois, não sei. Um bocadinho, se calhar. Agora que fala nisso. Não me tinha ocorrido. Deixe-me pensar. Não sei bem o que lhe diga. Olhe…
Talvez o blogue esteja mesmo triste, com salpicos, aqui e ali, de uma alegria contida. Posso dizer-vos, com toda a franqueza, que aquilo que se pode lobrigar como uma nota de infelicidade está no domínio do não intencional, não se enquadrando, ainda, na categoria do não desejável. Sou visitante da blogosfera há muito pouco tempo. Entre os que peroram sobre os silêncios de Manuela Ferreira Leite e o desempenho do Ministro da Agricultura e os que revelam os seus estados de alma, as suas vontades e desejos – ou mesmo as suas neurastenias – prefiro estes últimos. Entre a informação opinante e a alma desnuda não sinto o embaraço da escolha.
Nunca quis ser juiz e observo os que o são com um olhar misto: de irritação por uma sobranceria eventualmente pontual; de terror pelo facto das suas decisões poderem afectar, tão directamente, a vida de alguns; por último, de pena, por sentir que baila, nas suas mentes, o fantasma da dúvida ou a sombra da compaixão.
Se a vida fosse asséptica e perfeita, juízes e réus dormiriam a mesma qualidade de sono, seriam afectados pela mesma insónia que caracteriza os incomodados, e roncariam a mansidão que identifica os tranquilos de consciência. Adivinho ambos os extremos da cadeia da justiça vítimas de uma espertina maldosa, com os olhos esgazeados para um tecto que não vêem enquanto o relógio avança os minutos com um vagar de corredor da morte. Uns terão dentro de si a dúvida angustiante sobre a justiça da decisão, sobre a sua relativa irreversibilidade, sobre a data que se aproxima para a execução de uma pena. Os réus poderão questionar-se sobre a dimensão do castigo e a sua proporcionalidade ao crime cometido e lamentarão, quiçá, a incapacidade que tiveram de fugir ao comportamento desviante.
Alguém escrevia, como subtítulo ao seu espaço internético, que a vida é desenhada sem borracha. É verdade, no sentido, talvez, de não podermos apagar o nosso passado, calcetado de erros e acertos. Eu contribuo para esta visão de casa havaneza, atirando para o fundo da gaveta uma caneta de tinta permanente que mão amorosa me ofereceu. É a minha metáfora pessoal para afirmar que nada é, também, definitivo. Nem o que nos apraz, nem o que nos contrista. A lua e as suas fases reflectem isto mesmo, ao não oferecer a esperança ininterrupta do quarto crescente nem impor a desgraça constante do que é minguante.
- Em tudo se vislumbra uma nota de tristeza…
Olho para a vida dos juízes e dos réus (pensando que se confundem, por vezes, uns e outros, não se sabendo exactamente quem é quem). para a borracha e para a caneta que não fazem parte do kit que nos oferecem para a vida e penso que está tudo certo, está tudo como pode ser – sei lá se está como devia ser.
Partir é morrer um pouco, e até a contagem decrescente coincidir com o zero, que é o nada do inexistente, é tempo de abalada. Toda a viagem tem como prelúdio uma despedida que se vai fazendo ao ritmo do que nos manda o impulso ou a decisão. Negar o adeus a quem quer que seja é negar a natureza das coisas. Quando o olhar estiver para lá do horizonte, abrir-se-á uma nova frente na vida, feita daquilo que já foi, daquilo que é, e daquilo que está para vir.
Até lá é isto, para os poucos que me vão lendo.

Adeus, até ao meu regresso.



10 comentários:

Anónimo disse...

Lembra-se da celebre frase da não menos celebre Scarlett O'Hara quando nada mais lhe restava a não ser ela própria " After all ..tomorrow is another day........." ????? É um lugar comum mas funciona...
Rocha

JdB disse...

Pode ser um lugar comum, mas está certo. REspondo-lhe de uma forma popularmente nacional, afirmando que amanhã é o primeir dia do resto da minha vida.
Bj, Rocha

ana v. disse...

Não venho comentar o belo texto de reflexão, até porque vamos falando sobre isso, pessoalmente. Sim, a vida renova-se e renova-nos com ela.

Venho aqui para notar uma curiosidade engraçada: esta fotografia (muito bonita e significativa) já ilustrou um post meu, tal como algumas outras que escolhi e que encontrei também noutros "blogs amigos". E essa circunstância de escolhermos - em milhões que a net nos oferece - as mesmas imagens (essas e não outras) é só mais uma prova das afinidades que nos ligam e nos fazem acabar por agrupar-nos com aqueles que reconhecemos como mais próximos de nós. Na blogosfera, como afinal na vida real.

JdB disse...

O Vasco Santana, na sua graça infinda, responderia de uma forma exemplar: "Carneiro amigo! Andamos todos ao mesmo..." Gosto de saber destas afinidades bloguistas.

Anónimo disse...

O blogue não está “mesmo triste", está carregadinho de melancolia, de algum desencantamento com a vida, isso sim!
Gostei deste texto, está cheio da beleza triste que comentámos.
Não há perigo de demasiada revelação e intimidade, a sua escrita vive de metáforas e “quem tem ouvidos que ouça”! Sabe que sou fã deste estilo.
Partir também é renascer. O adeus vai regenerá-lo.
“Quantas vezes descobri onde deveria ir apenas por partir para um outro lugar.” Robert Fuller
Bj vislumbrando partidas

JdB disse...

Obrigado pela mensagem. Tal como disse no texto, até ao dia 0 é isto. Depois logo se vê a mudança de registo. Um beijo

Anónimo disse...

Pois eu então acho que há aqui um Escritor. Nos outros blogues espreito a alma. Aqui, talvez por emulação, venho ver «o bicho» crescer.

Anónimo disse...

A tristeza, como a alegria, fazem parte da vida… e essa, como é expresso no texto, “é desenhada sem borracha”. Belo espaço! Até sempre… Antes e depois do regresso!

JdB disse...

Anónima - o Thoreau, que decidi citar durante alguns dias a partir de hoje, também disse "e és escritor, escreve como se tivesses os dias contados, porque, na verdade, eles estão-no quase todos".

JdB disse...

VCS + JA: gosto de vos ver por aqui, espero que regressem, se mantenham, me vão contando as novidades, as ideias, os pensamentos. Abraço aos dois

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