06 julho 2009

Carta a um anjo

Foi hoje, mas há 15 anos.

Nasceste num dia de Verão e tinhas a completa aparência de um bebé igual a tantos outros. Olhámos-te com os olhos da cara e não do coração, ainda que esse olhar fosse ampliado pelo amor que sempre devotamos a um filho que nos cai nos braços pela primeira vez. Cedo desconfiámos de que não nos pertencias totalmente, porque algo em ti, e na forma como te encarávamos, revelava ao mundo uma dimensão misteriosa para uma existência que só aparentemente parecia vulgar.

Hoje, porque te vimos nascer, crescer e partir, temos a certeza de que és um anjo, porque é isso que aprendemos em crianças, ao colo dos nossos Pais, deitados numa cama a ouvir histórias de encantar ou de mãos postas, rogando por alguém que nos guarde a alma de noite e de dia. Estamos todos errados, minha querida, porque quando vieste a este mundo já vinhas vestida de anjo, com uma missão importante de que só tu conhecias os pormenores.

Por teres esse mistério que só nós acabámos por ver é que escrevemos muito sobre o que tinhas vindo cá fazer, o verdadeiro propósito da tua chegada – sobretudo a razão da tua partida. Por ti inventámos o sopro do anjo, o pó do amor, um anjo chamado Éz, uma terra chamada Litores. Criámos personagens, gente que se chamava Quatro Letras, Estrela da Sabedoria, Madame Pena. Estamos certo de que lá em Cima onde moras agora, rodeada de uma felicidade cuja dimensão nos transcende, te rirás connosco da simplicidade das nossas histórias, ou estenderás uma mão pequena para agarrar uma lágrima teimosa de um fim mais comovente.

Todos os dias nos lembramos de ti, te pedimos para nos ajudares, nos iluminares, nos mostrares o caminho certo. Sabes, nem sempre a vida nos correu como queríamos. Não somos perfeitos, cometemos erros, falta-nos o amor e o perdão em doses suficientes para agarrarmos a felicidade mais elevada, aquela que se aproxima do Céu. Aí, nesse lugar de uma beleza sem par, vives uma dimensão diferente. Os teus dias não têm a duração dos nossos e, mesmo na inocência da tua idade, já sabes, de certeza, que Deus não é senão amor. Não conheces o orgulho, a raiva, o rancor ou a desilusão. Aí, onde percorres um tempo que não sabemos medir, nada é senão amor.

Temos saudades tuas, sabes? Umas saudades que o tempo vai suavizando, vai transformando numa coisa mansa que vive em permanência dentro de nós, a respirar ao compasso do nosso coração. Sabemos que estás bem, que nos olhas com uma ternura de tal modo infinita que afasta todas as decepções. Talvez, por mais estranho que pareça, derrames sobre nós um olhar de mãe, quando já tiveste um olhar de filha. E uma mãe verdadeira compreende os seus filhos a quem ama incondicionalmente. E uma mãe verdadeira vela por eles até ao fim, estendendo-lhes uma mão que eles nem sempre conseguem vislumbrar.

Como escrevemos uma vez, mais importante do que questionar porque partiste é indagar o que vieste cá fazer, o que nos quiseste ensinar. Apesar de todas as curvas no caminho, todos os desvios que parecem errados, todas as lombas que vão surgindo, continuamos a perseguir o trilho da felicidade. Apesar de todas as lágrimas e de todos os soluços e de todos os risos, continuamos a olhar para um ponto no infinito que pensamos ser o autêntico. É lá que tu estás, temos a certeza. Sabemos para onde queremos ir, só nos falta descobrir o caminho.

Hoje, como há 15 anos, continuamos a cantar para dentro as seis linhas que te oferecemos. O fado é teu, como a nossa vida é tua:

Na sua bondade sem fim
Quis Deus olhar para mim
Dar-me um pouco do que é seu
Deu-me uma estrela pequena
A quem chamou Madalena
Que é uma das santas do Céu

Foi hoje, mas há 15 anos.

JdB

15 comentários:

gi disse...

[fiquei sem palavras]

(..)

[desculpe]

Anónimo disse...

(sem palavras também)...
pcp

maf disse...

gulp! chorei, sentada à secretária, no meu gabinete, sem vergonha, sem pudor de quem à minha volta me olhava. Como que emanada do écran, uma onda de amor envolveu-me inexplicavelmente. Foi forte, foi real, não tenho palavras.
Desculpe, joão, mas não consegui não partilhar isto.

atirana disse...

Um grande beijinho.

cris disse...

JdB,

Só me apetece dizer, GRANDE FAMILIA.

Estou de coração com a Sua, e com Todas as que passaram pelo mesmo, e as Outras que infelizmente vão passar.

Estou sem palavras....

Até sempre

Anónimo disse...

Meu caro amigo,
Tenho por certo que a tua pequenina te tornou um Homem (ainda) mais a sério.
Um abraço de muita amizade,
fq

Anónimo disse...

Rompo o silêncio pela transcendência que emociona e comove, e obriga a recordar e acarinhar toda a Família do Anjo, que deles cuida certamente

ATM

arit netoj disse...

Querido João,
Quinze anos depois o Anjo continua vivo entre nós, dá-nos forças extraordinárias e ajuda-nos a descobrir o sentido das nossas vidas.
Obrigada por ser pai do anjo e ser um tão bom emissário da glória celestial!
Beijinhos certos da eternidade.

JdB disse...

gi, pcp, cris, atirana, fq, arit, atm, maf: obrigado pelas vossas mensagens de que gostei muito. Um abraço a todos / as.

Ricardo António Alves disse...

Foi das coisas mais cheias de significado, de tristeza e beleza, que tenho lido nos anos que já levo de blogosfera.
Embora descrente, fiquei com a convicção de que o seu Anjo vela por si e pelos seus.

JdB disse...

RAA: obrigado pela visita e pelas simpáticas palavras. Gosto de sentir que tenho alguém lá em Cima que vela pela família que cá ficou. É a vantagem da Fé: acreditarmos naquilo que não vemos, para um dia vermos aquilo em que acreditamos.

Anónimo disse...

Não consegui evitar as lágrimas, e as recordações daqueles 7 anos, mas uma coisa tenho a certeza, é de que o Anjo olha lá de cima para o Homem a quem sempre chamou pai, com um verdadeiro orgulho, assim como eu me orgulho de o poder chamar de TIO. Um grande beijinho e continue a ser como é.....

Anónimo disse...

O anjo permanece em ti e sabe-o quem te conhece :-)) RF

Lina Arroja (GJ) disse...

Tive de aqui voltar para dizer que não sei o que dizer.

ana v. disse...

Todas as palavras sobram e parecem toscas, depois destas.
Um beijo comovido

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