15 setembro 2010

Moleskine

Livros. Leio O Hipopótamo de Deus e Outros Textos (José Tolentino Mendonça, Ed. Assírio e Alvim). Uma escrita poética, clara, cheia de musicalidade espiritual. Reproduzo um parágrafo: “Olha de frente tudo o que é grande” – é o desafio que Deus lança a Job. E, perante isto, Job responde ao Senhor: “os meus ouvidos tinham ouvido falar de ti, mas agora viram-te os meus próprios olhos, por isso retracto-me e faço penitência no pó e na cinza.” Ele tinha apenas ouvido, mas agora viu, fixou-se na grandeza, reparou de frente na imensidão. Job queria desvendar a dobra do Mal e esquecia que é o Bem o gigantesco segredo, o inesperado desígnio que mais nos visita.

Mineiros chilenos. O plano B (parece-me) que permitiria resgatá-los mais cedo revelou-se inviável por uma questão de segurança. A este desânimo juntam-se algumas complicações ao nível da moral das tropas, com consequências desconhecidas. A nós, à distancia, resta-nos rezar, por eles e pelas famílias. E esperar que a mina não seja um terrível corredor da morte, filmado em tempo real.

Filme. Assisti, 2ªfeira, à antestreia do filme Assalto ao Santa Maria, aparentemente (?) histórico. Duas informações prévias: não sou entendido em cinema e não sei o suficiente sobre a acção do Capitão Henrique Galvão. Mas posso dizer, numa apreciação genérica, que não gostei. Não temos (acho eu, e perdoe-se a potencial injustiça) uma escola de cinema. Destacam-se alguns actores – e não a maioria –, achei as cenas pobres, inverosímeis, fantasiadas. O romance entre a Ilda (filha de um coronel situacionista) e o Zé (revoltoso), baseado em factos reais, enternece, se bem que seja improvável, assim como grande parte do filme. Liberdade criativa, talvez... No fim, um pequeno cocktail no foyer do S. Jorge. Sinto, por vezes, o impulso de cumprimentar pessoas que julgo conhecer, mas que se limitam a ser figuras públicas. O sentimento invadu-me de novo, algumas semanas depois de quase ter saudado o Paulo Bento num centro comercial. Anteontem, quando dei por mim, avançava de mão estendida e sorriso aberto para o Major Tomé e para a Isabel do Carmo.

Processo Casa Pia. Já se fala em erros processuais. Estou certo – e dedico este raciocínio ao meu querido amigo fq, belenense convicto – que a defesa de Carlos Cruz foi buscar alguém ao Restelo, clube que se habituou a ganhar na secretaria o que não vence no relvado. Alguém me disse que o advogado Sá Fernandes acredita piamente (curiosa expressão...) na inocência do seu cliente. Ingenuidade, manipulação ou visão?

Educação. Cada vez mais tenho esta certeza: só muito tarde vemos o verdadeiro impacto dos valores que transmitimos aos nossos descendentes directos. Até lá é um discurso inter-geracional, tantas vezes incompreendido, sobre temas que fazem sentido para alguns Pais, sobretudo para aqueles a quem a vida nem sempre sorriu. Os filhos que nos percebem são a regra ou a excepção?

Silêncio. À semelhança, provavelmente, da generalidade das pessoas, não gosto de ruído quando ele se define como som indesejado: crianças aos gritos num espaço público, música demasiado alta num transporte colectivo, gente que conversa num volume despropositado. O problema surge, talvez, quando passamos a gostar muito de silêncio, caracterizado como ausência de som. O silêncio pode ser viciante, e é por isso que deve ser combatido com gosto, alegria e convicção.

Missas. Dois casamentos católicos em dois sábados seguidos. Mesmo assim cumpri o meu ritual da missa dominical. A minha espiritualidade não é estática, e é por isso que oiço sempre qualquer coisa – uma leitura, uma atitude diferente dos noivos, uma homilia - que acrescenta valor à minha vida interior, ao momento que atravesso, à minha circunstância. Um destes dias, numa discussão mais acesa, dizia que o homem que eu sou - naquilo que tenho de bom - à fé o devo. A minha vontade de caminhar pelo lado luminoso da vida - que obviamente nem sempre consigo - alicerça-se numa fé sólida e reconfortante. Afigura-se-me isto tão claro como a água.

JdB

4 comentários:

Ana LA disse...

Bom dia JdB.
Salpicos interessantes sobre coisas dispersas do quotidiano.
Não concordo com a certeza redutora da génese da sua bondade. Muita fé não chega. Se não estiver "lá" a semente e a vontade, não há fé que a faça viver. Conheço pessoas boas, intrinsecamente boas, que não recorrem à fé. São assim...prontos.

Anónimo disse...

Pegando na deixa da Ana LA, diria que a Fé é um pequeno empurrão interior que nos empurra para além de sermos bons, intrinsecamente bons. É uma espécie de mola desinstalante que dá simultaneamente sentido à vida (pela visão que proporciona da morte) mas que nos espicaça e empurra para seguirmos sempre o lado luminoso da vida. Pelo menos idealmente... digo eu... Obrigada, JdB. pcp

Anónimo disse...

Caro JB,
Gostei, como sempre, do teu moleskine, simultaneamente sério e divertido (e os comentários mantêm o nivel!).
Quanto ao CFB, lembro que, apesar das benesses,foi parar à 2ª. Acontecerá o mesmo a CC?
Um abraço,
fq

Luísa A. disse...

João, tinha muito para comentar, mas esta interrogação impôs-se-me e apagou tudo o resto. Claro que os filhos que nos percebem são a excepção (suspiro de infinita tristeza)!!! Os filhos, quando muito, imitam-nos, e às vezes sem nunca chegar a perceber porquê...
P.S.: Mas há raras e honrosas excepções, não nego. ;-D

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