13 março 2011

1º Domingo da Quaresma

Hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição de católico.

Aqui há tempos - e a propósito de um comentário a um post dominical - alguém que me lê amiúde referia que eu estava a ficar comodista nas minhas reflexões, por insistir demasiado na dimensão do braço da misericórdia versus o da justiça. Reconheço que a preguiça vence, muitas vezes, a interpretação mais criativa do evangelho que me proponho comentar. No entanto, nas suas múltiplas leituras, acredito que esta frase bíblica deveria ser de insistência diária, porque anularia muitos atritos com que nos vamos confrontando. O caminho da santidade é um exercício permanente, e a forma como respondemos a quem nos magoa, nos ofende, nos prejudica - ou simplesmente nos irrita - é apenas uma das ferramentas à nossa disposição.

O evangelho de hoje fala-nos de tentações. Talvez fosse fácil deambular pelas que se lêem mais directamente: o êxito e a fama, o poder e o domínio, a riqueza egoísta e desprovida de dimensão social. Afoitar-me-ei a falar de outras - e vou esquecer as tentações da carne, fantasma com que muitos de nós fomos educados, e que ainda é uma arma perigosa: limita o nosso juízo e afunila uma visão que se deveria querer mais abrangente. Talvez mencione tentações pequeninas mas, como se costuma dizer, devil is in the detail.

Durante o dia de 6ª feira, por motivos diversos, ocorreram-me ao pensamento três tentações: a tentação do adiamento, a tentação do abismo, a tentação da desistência. Depois, já ontem, detendo-me um pouco mais neste tema, embateu-me na testa a tentação da auto-suficiência; talvez a tentação da presunção de sabedoria e, porque não, a tentação da fragilidade que se empunha como um facho orgulhoso.

Pressinto, nos meus fiéis leitores, um esgar de menoridade face à pequenez do meu raciocínio. Pois é, pois é... Mas o facto é que eu vi, em casa própria ou em casa alheia, estas pequeninas coisas a prejudicarem relações, a minarem caminhos conjuntos, a desviarem a atenção para o ponto que, no infinito, deveria reter o nosso olhar.

No fundo, a maior tentação de todas é a de tirarmos Deus do centro das nossas vidas, eliminarmos o caminho de santidade a que Ele nos desafia por ser uma estrada complexa, difícil, desconfortável, impopular, cheia de escolhos. Talvez nem sempre sejamos tentados pelo mal, mas, simplesmente, pela fuga do bem.
Bom Domingo para quem me lê.

JdB


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto,
a fim de ser tentado pelo Demónio.
Jejuou quarenta dias e quarenta noites
e, por fim, teve fome.
O tentador aproximou se e disse lhe:
«Se és Filho de Deus,
diz a estas pedras que se transformem em pães».
Jesus respondeu lhe:
«Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem,
mas de toda a palavra que sai da boca de Deus’».
Então o Demónio conduziu O à cidade santa,
levou O ao pináculo do templo e disse Lhe:
«Se és Filho de Deus, lança Te daqui abaixo, pois está escrito:
‘Deus mandará aos seus Anjos que te recebam nas suas mãos,
para que não tropeces em alguma pedra’».
Respondeu lhe Jesus:
«Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».
De novo o Demónio O levou consigo a um monte muito alto,
mostrou Lhe todos os reinos do mundo e a sua glória,
e disse Lhe:
«Tudo isto Te darei,
se, prostrado, me adorares».
Respondeu lhe Jesus:
«Vai te, Satanás, porque esta escrito:
‘Adoraras o Senhor teu Deus e só a Ele prestaras culto’».
Então o Demónio deixou O
e logo os Anjos se aproximaram e serviram Jesus.

4 comentários:

arit netoj disse...

A grandeza do seu raciocínio está na sensibilidade às pequenas coisas...
Beijinhos e obrigada à sua condição de católico.

Anónimo disse...

Pequenez de raciocínio, JdB? Não me parece, de todo, expressão que se lhe aplique. Antes pelo contrário. Obrigada por nos fazer reflectir sobre o que verdadeiramente interessa. E às vezes o que interessa não é SÓ o mais óbvio, mas também aquilo de que nos vamos esquecendo. Você tem essa faculdade de nos ir avivando a memória. Obrigada. pcp

Anónimo disse...

João,
O teu último parágrafo é lapidar!
Um abraço,
fq

Ana LA disse...

Hoje fui à missa. O padre cumpria o serviço com uma serenidade envolvente e um dos apelos que fez foi à santidade. Confesso que tenho alguma dificuldade em perceber o que é a santidade e, mais ainda, como se atinge.
Depois de ler as suas palavras, acredito que se chega lá pela fuga ás pequenas tentações.
São, para mim, essas as que mais perturbam e as que mais dificilmente conseguimos contornar.

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