23 julho 2014

Das ideias inconcluídas

"a luz entra pela ferida", fotografia de JMAC, o homem de Azeitão


Às vezes é isto. Sigo pelo paredão ou pela vida comezinha do dia-a-dia a desenvolver uma ideia. Não sei como nasce. Como os meus dias são, sobretudo, de trabalho e estudo, o lazer da escrita fica para depois, algo ou bastante depois, depende. Um dia sento-me a escrever e a pôr no éter a ideia que me assolou o cerebelo. Quando dou por mim nem sei qual era a ideia que estava a magicar nem sei o que hei-de elaborar. O texto abaixo é um exemplo. Acabou em vírgula, porque não sabia o que havia de acrescentar-lhe... Talvez nem soubesse mesmo sobre o que queria partilhar.

Peço desculpa. Se alguém quiser contribuir para um final interessante...

JdB

***

No minuto antes é a escuridão, as folhas e os bichos e as clareiras e as árvores iluminadas apenas pela luz da lua ou dos candeeiros, torres altas que ainda aguardam a ordem de dormir. Um minuto depois o sol desponta no fio dos montes, por trás das casas onde se imaginam rotinas matinais - as abluções, as instruções às crianças, o pequeno almoço magro, o beijo de até logo, os pijamas de pelúcia ou de cetim local atirados para o lado, os dias repetidos, o marido sem emprego, a mulher sem paciência, os filhos a leite e pão sem compota. O sol atravessa as mulatas iluminando-lhes a folhagem, recortando-se por entre as ramadas, procurando espaços abertos. Incide num pedaço de terra onde a relva cresce lentamente com um vagar que não obedece a necessidades humanas. O sol bate num ponto específico, que não se calcula por fórmulas matemáticas. É aquele, naquele dia, onde formigas continuam o seu labor de levar migalhas, restos de coisas que já são restos de coisas. Um segundo depois, outro ponto iluminado. Um ponto específico, na luz que atravessa as mulatas e cujo destino não se define pela ciência.

Na varanda, debruçado sobre a vida, um melro olha.

Outro minuto, e a luz ainda não chegou a todo o lado. Uma folha iluminada no chão, entregue à voragem do vento que a levará; outra, a alguns passos, permanece na sombra, já não na penumbra. Não sabe se o sol lá chegará, porque há imprevistos: um fragmento de nuvem, um estalo de vento, um ramo que se desloca do sítio onde filtra a luz. Metade do jardim está debaixo de um sol matinal, a outra metade aguarda a sua vez, confiada na suave rotina da natureza. Na água do lago um insecto despede-se da vida, alumbrado nos últimos segundos, como  

      

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