17 fevereiro 2016

"A felicidade é uma escolha"

A felicidade é uma escolha. A frase, dita por um guru qualquer ou por um desses especialistas em coaching ou orientação para a vida, parecer-me-ia um fortíssimo lugar-comum.  Mas a frase foi dita pelo António, que tem 23 anos e que aos 12 era praticante assíduo de ténis, natação e equitação. Os cavalos numa base diária - e tudo o resto, aliás - ficariam cortados quando lhe foi diagnosticada uma Atrofia Muscular Espinhal Tipo III, uma doença neuromuscular rara e progressiva que provoca a degeneração dos músculos. O António deu-nos o seu testemunho esta 2ª feira no Porto, no seminário da Acreditar sobre cancro infantil. Riu-se, fez-nos rir e comover, contou com voz alegre e despreocupada porque frequentara três cursos em dois meses - ou não havia tempo para tudo ou, para o tempo que lhe restava, já tanto faziam as opções. Fixou-se em Agronomia, onde frequenta o Mestrado. Circula com dificuldade e faz o curso, disse-nos, graças aos amigos que o ajudam a levantar-se da cadeira ou a subir escadas, que o levam às cavalitas se for preciso. E foi com eles, que eu conheci, que se deslocou ao Porto. Acompanhado de uma cadeira de rodas a quem chama Inácia II, que a primeira já foi.

O seminário foi atravessado por testemunhos semelhantes ao do António. Gente com leucemia ou tumores cerebrais, com maiores ou menores hipóteses de cura, que sobreviveram, fizeram-se à estrada, cresceram, voltaram à Acreditar para fazer voluntariado ou para encontrar um sentido para a vida, tiraram cursos para ser alguém, para retribuir o bem que lhes foi feito ou, num caso falado, para, como médico, estudar o tumor que o atacou. Engenheiros, enfermeiros e médicos (muitos, muitos) psicólogos. Mas gente que, apesar das possíveis e fortes sequelas, cresceu, se apaixonou (um caso surpreendente, mencionado com alegria) ou que casou com quem padeceu do mesmo mal. Gente que se confronta com seguros de vida mais difíceis, com dificuldades na crédito às casas, com um passado oncológico cujos efeitos no presente são incertos, porque a história de cada um se perdeu nos arquivos de um hospital.

Em todos eles há uma nota de alegria normal. Afinal sobreviveram a uma doença que arrasava no tempo em que a tiveram. No entanto, a alegria não é um contentamento bacoco de quem está vivo. A alegria vem de dentro, não de órgãos saudáveis, mas de corações repletos de esperança, de vontade de ajudar, de segurar a mão das crianças a quem é diagnosticado uma leucemia ou coisa semelhante: olha para mim! Passei o mesmo que tu e estou vivo. Tu também vais conseguir!  Gente animada, apesar de uma dor de cabeça persistente ser um sufoco de angústia, uma dor na perna um presságio de internamento, a história de uma recidiva passados 15 anos um condenação inesperada. Gente - e aconteceu a alguns - a quem foram previstos meses de vida para estarem cá passados tantos anos, e que desafiam esta ideia das mortes certas encurtadas por via legislativa.

Termino com um lugar-comum, que o estabelecimento é meu, afinal. Ir ao Porto para falar de oncologia pediátrica é sempre um desafio interior. Dinamizar uma mesa onde estavam três sobreviventes (expressão detestada por toda a gente porque a vida deles foi inteira, lutada, vivida, cheia) é sermos confrontado com a necessidade do pudor nalgumas queixas que sempre nos saem; é sermos confrontados com o desafio de aproveitarmos o que a vida nos dá de bom, porque a muitos a vida foi madrasta que custou vencer.

Se o António, de mãos inseguras e passos incertos, consegue dizer a sorrir que a felicidade é uma escolha de cada um, por que raio nós, com vidas fagueiras e simples, confortáveis e esperançosas, havemos de dizer que não é bem assim, que temos tantas chatices...

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Deixo-vos com um video lançado a 15 de Fevereiro, dia Internacional da Criança com Cancro. Cerca de 900 000 crianças colaboraram, em todo o mundo, para que o resultado final fosse este. No youtube encontram-se muitas contribuições individuais, nomeadamente de Portugal

JdB

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