06 julho 2016

Carta a um anjo

Foi hoje, mas há 22 anos.

Em vinte e dois anos tudo acontece: a guerra e a paz, as desavenças e as reconciliações, gente que desaparece da nossa vida física ou que, olhando para nós com olhos baços, já agarra uma realidade diferente. Vinte e dois anos são uma vida. Talvez nos tenhamos esquecido de tudo que se passou neste ano, naqueles dias que antecederam o dia de hoje, mas há vinte e dois anos. Mas este dia, este exacto dia, marcou uma etapa na nossa existência e por isso nos lembramos de tudo, excepto do futuro que nos vieste ensinar. Já eras um anjo antes de seres uma criança como todas as outras; já te rias para tudo, mesmo não tendo visto nada. Nasceste para um propósito que não compreendemos naquele dia. Nasceste para nos mudares, para nos desafiares, para nos ensinares a vida triste ao lado da vida fagueira, os olhos que choram ao lado dos olhos que riem. Ensinaste-nos tudo, e o que não aprendemos deve-se ao nosso coração ainda fechado, limitado na ilusão de que tínhamos mais uma criança a quem chamávamos filha ou irmã ou neta ou sobrinha ou outra coisa qualquer. Não eras nada disso, apenas uma pessoa à frente de uma época, de olhos fixos na eternidade e de mão estendida para o céu. Ensinaste-nos tudo: o Deus que não é senão amor, o sentido da vida, as coisas mais importantes do que as desavenças, o que permanece junto, o que se refaz, o olhar posto no horizonte e na distância onde o silêncio vence e se encontra o destino que a vida desenha para nós. A tua existência revelou-nos duas coisas, ambas verticais e de sentido diferente: o abismo profundo e o céu estrelado,  expressões com que me cruzo nas coincidências significativas da vida.  Hoje, vinte e dois anos depois, sabemos para onde olham os teus olhos: para cima, que é no céu que pedimos o infinito.


Na sua bondade sem fim
Quis Deus olhar para mim
Dar-me um pouco do que é seu
Deu-me uma estrela pequena
A quem chamou Madalena
Que é uma das santas do Céu


J (em nome de todos os que te lembram)

9 comentários:

Anónimo disse...

Um abraço forte..

gi.

Anónimo disse...

Eu lembro-me e lembro-a. E a cada lembrança acordo e recordo os caminhos , as etapas, destes 22 anos . A todos, que nos fomos vendo no horizonte , um abraço fraterno de peregrino , caminhante de sombras e de luz, consoante a rota em que fui indo. A Madalena, o Ricardo e os outros partidos de cada um, são as estrelas do nosso destino, esperam-nos mais além e iluminam-nos mais aquém.
ATM

Raquel da Câmara disse...

Lindo!!!

ACC disse...

Tão forte essa sua estrela. Tão suave, ao mesmo tempo. Podíamos Aprender consigo a olhar para todas as nossas estrelas com amor e a mesma serenidade.
Obrigada

Inês Herédia disse...

Que bonito... <3
Um grande beijinho

Anónimo disse...


Gratidão pela partilha.

Está sempre presente, a energia.

JdB disse...

Gi, ATM, Raquel, Inês, ACC, Anónimo: mais do que agradecer a vossa presença, agradeço as vossas palavras. De todos - enfim, menos do Anónimo que não sei quem é - guardo momentos, épocas, amizades mais ou menos longas, cruzamentos diferentes na minha vida. Tudo gente com quem gosto de me cruzar, que me ensinaram, me deram a alegria da amizade comigo ou com os meus filhos. Amizades improváveis umas, inexplicáveis quase outras, que comprovam que sabemos pouco, e que ligar o que aparentemente não consegue ligar-se é uma obra misteriosa.
Obrigado.

helena pereira disse...

Tão bom poder recordar com serenidade. Espero que todos os pais, que passam pela maior das perdas, possam, um dia, alcançar essa paz de espírito.
Obrigada.
Um beijinho

Unknown disse...

Bjs do tamanho do céu!

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