A vida do indivíduo quer-se uma monarquia. Em determinado momento herda a liderança singular de si mesmo e, daí para a frente, até findar ou abdicar do posto, mais ou menos voluntariamente, é rei do seu umbigo e de toda a vastidão corpórea que a sorte lhe destinou, bem como de todas as riquezas nela encerradas e de todo o céu ao alcance de uma braçada larga. Nascido sempre rei de si mesmo, o indivíduo passa pelo limbo que é digerir todas as memórias de infante, sujeito à sensibilidade que os acasos da educação lhe reservarem e ao filtro imprevisível do seu intelecto particular que, em metáfora, poderá ser comparado a uma sopa de novidades feita segundo a receita da fome. Chegada a altura de tomar as rédeas da existência, de tomar em mãos o mais nobre dos serviços, ao contrário do que a história poderia fazer prever, não se assinalam datas, nem com pompa nem com circunstância, não se soltam fogos nem se domam elefantes, não desfilam exércitos nem se ouvem vivas, não se recebe nenhuma coroa inútil e difícil de limpar. Há quem tenha o privilégio de um abraço, que no fundo é o melhor que se pode pedir, e depois, bem, depois é o que deus quiser.
ZdT
* publicado originalmente em 5.10.2010
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