28 maio 2018

Das sesimbras e do tempo de cada um

Sesimbra nunca me disse nada. No meu imaginário pouco mais era do que nome de praia. Na minha vida real era local onde fora três vezes - todas elas breves: com colegas de faculdade, numa reunião profissional, com gente próxima. Nada de relevante me ficou na memória. As visitas foram curtas, e eu, em todas estes momentos, via menos do que vejo agora.

Voltei lá na semana passada, para outra estadia muito breve. Sesimbra não acrescentaria nada à minha existência não fosse uma frase e uma conversa com quem lá passou muita infância e muita juventude, onde se fez rapaz ou jovem adulto, onde conheceu as artes da pesca e as pessoas locais, onde teve uma liberdade de movimentos e de olhar que não teria noutro sítio, com as mesmas pernas e os mesmos olhos. A frase foi nostálgica, a conversa foi nostálgica. A Sesimbra que foi já não é e, se acreditarmos no que nos dizem, não devemos voltar aos sítios onde fomos felizes. Para este meu amigo, Sesimbra foi um passado marcante, feliz, cheio, irrepetível, que provoca dor, como provoca tudo aquilo que desaparece por arrancamento da memória.

Nunca tive Sesimbra, mas tenho as minhas sesimbras: locais repletos de cores, de cheiros, de pessoas, de sons, de rotinas; locais onde fui imensamente feliz, e que já não existem na forma primitiva que foi garante de uma satisfação de alma que me acompanha até agora. Desapareceram pessoas, ainda que existam as mesmas paredes. Alguns cheiros - os da natureza - permanecem; outros, mais domésticos, foram destruídos pela luz eléctrica inodora e imediata, onde se liga aquilo que nos liga ao mundo; as cores mantêm-se e os meses, apesar das alterações climáticas, ainda se sucedem na mesma rotina. Talvez, então, só tenha mudado eu e a forma como olho para as coisas: não com os olhos irrequietos que eram os meus, mas com os olhos que se foram desanimando com o tempo, com a aprendizagem da vida, com esta espécie de experiência que mata o fascínio e o gosto da primeira vez. 

Sesimbra estará diferente, como a Cascais da minha infância está diferente, apesar de não ser aqui, nesta vila tão bonita e tão destruída pelo progresso inevitável, pelo mau gosto e pela corrupção, que vou buscar a felicidade da primeira juventude, das primeiras paixonetas, das mãos dadas, das cartas escritas. Sesimbra tem uma parte nova (todos estes locais têm partes novas) - e estas partes novas dos locais das nossas infâncias são tantas vezes excrescências, tumores acrescentados pela mão humana que destroem a geografia da nossa circulação passada, que nos fazem dizer frases carregadas de uma nostalgia que recusa o crescimento, a passagem do tempo e o desaparecimento de épocas superlativamente felizes, como só podem ser as da juventude: já não conheço nada disto, no meu tempo isto não existia. O nosso tempo é o nosso tempo, aquela janela de oportunidade para se viver despreocupado e cheio, livre e repleto de desejo e espanto.

***

Em Sesimbra sento-me numa esplanada enquanto o sol se põe e o frio da noite vai caindo. À minha frente, no passeio marítimo que contorna a praia, um casal caminha de braço dado. Vejo-os subir, vejo-os descer na mesma passada vagarosa e morna de quem conversa sem a pressa da decisão. Não são, na verdade, um casal: são uma metáfora para o tempo lento, para o tempo sossegado e partilhado, um tempo não esmagado pelo prazo ou pela eficiência. Este é, também, o meu tempo. Sesimbra deu-mo na semana passada, trazido por um casal que passeava de braço dado. 

JdB

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigado JdB por ter estado em Sesimbra.
Lá conheceu esta geração que é certamente feliz nesta sua oportunidade da história.
Este seu amigo «sesimbrense» , em giria local « bailão», não é nem saudosista , nem nostalgico, apenas sente e fala da geração anterior, da sua, daquela Sesimbra que foi a da sua criação , do seu tempo, que consigo nasceu, cresceu e a seu tempo partiu. Sesimbra, como qualquer ente , qualquer ser , tem o seu tempo e vai-se seguindo em gerações. Há tantas Sesimbras quantas vagas de sesimbrenses.
Sesimbra não é nome proprio, é apelido.Não é pessoa é familia, é estirpe.
A alma de cada um está e fica para sempre na nossa geração, nós não viajamos. Nascemos e ficamos na nossa era . A alma é parada. O Tempo é que anda e cada um e as suas coisas ficam onde devem, imóveis e perenes.
Cumprimentamos o que se segue, o próximo,o que chega, mas é só cortesia e cordialidade não é pertença, nem fraternidade. Cumprimento esta Sesimbra como cumprimento um bébe, muito alarido e pouco interesse, cumprimento a minha Sesimbra como um amigo de criação, pouco alarido e toda a vida no abraço.
Comigo tenho o mundo todo , o meu , que nasceu , cresceu e partirá comigo.
ATM

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