Para o M, pai do M.
------------
Hoje é Dia Internacional da Criança com Cancro. Num artigo que me pediram para redigir para a SAPO, escrevi:
No final da semana passada recebo uma mensagem de um pai com quem tenho vindo a falar: “O M partiu...” O M tinha sete anos e um prognóstico muito difícil; há alguns meses que se adivinhava esta situação, mas que pais se abandonam a um prognóstico médico, por mais preciso que possa ser?
Já aqui tinha escrito sobre o M, sobre as dúvidas e angústias que me assaltam, sobre a idade da pedra na qual ainda vivemos nalguns aspectos da doença. Ao contrário do que tinha pensado, foi o próprio pai que me informou do desenlace deste caso, o que mostra a proximidade que criámos um com o outro. Afinal, ambos sabíamos que mais cedo ou mais tarde nos tornaríamos de certa forma iguais, que ambos olharíamos para o Céu com sentimentos semelhantes de nostalgia, esperança, interrogação.
O M faz parte dos 20% que, nos países desenvolvidos, não sobrevivem ao cancro pediátrico, porque a ciência não sabe tudo, não consegue tudo. No entanto, e tal como referirei num seminário em que participarei hoje de tarde, no mundo dos países menos desenvolvidos as crianças morrem (e morrerão 80%!), não só porque a ciência não sabe tudo, mas porque os Homens não fazem tudo. Muitas crianças e jovens morrerão porque na equação que inclui cuidados certos, equipa certa e momento certo, tudo é uma incógnita - ou uma triste certeza.
Este caso viverá comigo nos tempos mais próximos, porque conheci o pai, conheci a mãe, conheci os contornos desta tragédia que exigirá força anímica e discernimento para ser ultrapassada. A forma como cada um recupera deste drama maior daria um livro, porque não há dois casos iguais; as fragilidades e forças existem em nós em proporções diferentes, nem sempre justas, e suscitam soluções e obstáculos diferentes.
O M partiu. Enquanto uma criança com sete anos morrer de cancro (ou de outra forma qualquer) viveremos sob a ameaça da escuridão interior, uma escuridão que só pode ser resgatada por uma luz intensa e muito própria. Que aqueles que sofreram a perda saibam encontrá-la.
JdB
1 comentário:
Texto e música superlativos!
Obg e abr
fq
Enviar um comentário