Paredão do Estoril, um destes dias de manhã cedo |
Haverá 50 anos de diferença entre estas duas frases: para que a Terra não esqueça, e vocês serão lembrados. Curiosamente, ambas se referem ao holocausto. A primeira, o título - provavelmente o subtítulo - de um livro que li há 50 anos; a segunda, uma das últimas frases ditas num filme que vi há pouco tempo. Ambas se referem à memória, à lembrança.
Como tudo na vida, a memória já não é o que era. A minha geração (e outras antes disso) foi educada para a memorização das coisas: rios, serras, caminhos de ferro, reis, elementos da tabela periódica. Hoje já não é assim, pois está tudo à distância de um clique, de uma inteligência artificial, de um google. O que faz esta mudança pela nossa lembrança das pessoas? Desabituados que estaremos a usar a memória, como gerimos a memória que temos das pessoas? Ninguém com 40 anos ou menos lembrará de cor os rios de Portugal. Saberão lembrar as pessoas que lhes foram importantes? Em que parte do corpo está a nossa memória?
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Oiço esta frase atribuída a C S Lewis: não é humilde quem pensa que é poucochinho, mas quem pensa pouco em si próprio. A modernidade, ou o salazarismo, sei lá eu, deram cabo da palavra humilde, cuja etimologia (se a memória não me falha) está em húmus, em algo inferior, que está abaixo de. Uma virtude que o tempo adulterou.
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Janto um dia destes com sobrinhos que casarão para o ano. São pessoas na casa dos trinta e muitos que vivem juntos, que lidarão menos bem (e muito naturalmente) com algumas tradições antigas que sentem desactualizadas e sem sentido. Como (quase) todos os daquela geração, por mais alternativos que sejam, querem o casamento tradicional: missa, fraque, damas de honor, copo de água sentado com entrada, prato, mesa de queijos e de doces.
Neste parágrafo não está envolvida nenhuma crítica, até porque gosto muito deste (futuro) casal. É uma constatação sociológica: por mais que algumas tradições mudem, outras querem-se imutáveis.
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Por causa do meu doutoramento, tenho vindo a entrevistar Pais de crianças / jovens com cancro que estão em tratamento ou fora de tratamento há pouco tempo. Em resposta à pergunta: na fase de diagnóstico / tratamento do seu filho(a), onde foi buscar apoio (fé, família, amigos, ciência, etc.) para lidar com a situação? a resposta foi quase sempre e mesma: ao meu filho(a).
A resposta não está errada, porque nenhuma resposta está errada, mas fez-me pensar. O meu filho(a) seria, para mim - e num pensamento repentista - a resposta à pergunta: o que o fez nunca desanimar? Talvez o ânimo e o apoio se cruzem algures.
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Já aqui escrevi sobre isto: a minha valentia física (já se vai perceber porque não uso a palavra coragem) nunca foi posta à prova. Na minha vida nunca fui confrontado com a necessidade ou inevitabilidade de bater em alguém ou de me defender de ataques físicos. Não posso imaginar, por isso, como reagiria se me visse envolvido numa circunstância semelhante.
Apanho numa palestra a definição de coragem, de quando a palavra entrou no léxico inglês: vem do latim cor (coração) e significava originalmente contar a história de quem somos com todo o nosso coração. De uma forma simplista, porque esta definição tem outras implicações, estas pessoas tinham a coragem de ser imperfeitas.
Continuo sem saber se sou valente, ou destemido. Mas gosto de saber que sou um pouco corajoso.
JdB