23 julho 2009

Natureza

O dono deste estabelecimento pediu-me que escrevesse um texto sobre aspectos menos turísticos da Suécia, país que visitei recentemente em férias. A título de enquadramento, por definição generalista, começaria por dizer aquilo que toda a gente já sabe ou imagina: que é um país lindíssimo, cheio de gente bonita, loira e esguia, bebés de revista, água por todo o lado e verde a perder de vista. Barcos à vela, design e mais design, casinhas de madeira todas iguais, em tons de vermelho escuro, branco ou amarelo pintaínho, supermercados recheados de bons produtos orgânicos e salmão fumado, muita ordem, ruas imaculadas, céu cinzento ou azul suave e fotografias dos Bernardotte por todo o lado…

Não posso dizer que tenha delirado com o país. O sol faz-me falta. Mais pessoas, o barulho e uma certa desordem também …. Mas lembro-me de estar sentada num banco de madeira em Visby (capital da ilha de Gotland), a olhar o mar muito azul nesse dia, um azul já quebrado por um fim-de-tarde de nearly mid-Summer, e sentir intensamente, mesmo intensamente, que a Paz não é uma abstracção ou um sonho irrealista, mas sim uma pura e total realidade. A corroborar os meus pensamentos mais íntimos diz-me uma amiga minha, sentada ao meu lado: aqui se vê a obra do Criador.

É nestas alturas em que estamos sós, perante a beleza e a tranquilidade da Natureza, em paz connosco e com o mundo (talvez porque o deixámos para trás!..), que sentimos que a guerra não faz sentido e que não viemos a este mundo para estragar o que nos foi oferecido para usufruirmos em conjunto. É nestes minutos de absoluta quietude, em que a beleza nos entra pelos sentidos e por todos os poros, que realizamos o quão estúpidos, comezinhos e inúteis tantos dos confrontos e atritos do nosso dia-a-dia são. Nestes momentos sentimos que a Vida é um dom, que a Paz é uma realidade que está dentro de nós, e que precisamos de muito pouco para sermos felizes. É nestas alturas de contemplação e beleza que o sentir se sobrepõe ao pensar.

Sentir engloba, pensar separa. É pois assim, através deste sentir que tudo agrega, une e amplia, que “vemos” mais longe e que conseguimos chegar a “paragens” que nos estão vedadas habitualmente, porque, pura e simplesmente, nos deixamos enrolar nos afazeres do dia-a-dia e não deixamos que este Vazio salvífico aconteça.

Um amigo meu diz-me, já há muitos anos, que fica “curado” ao fazer a Marginal todas as manhãs. E que a Natureza é fundamental para o seu equilíbrio. Tenho vindo a aperceber-me disto nos últimos anos (será da idade?...). A Natureza cura. Da mesma maneira que há amores que curam mágoas e feridas profundas, também a Natureza, talvez porque espelhe o Amor do Criador, tem esta capacidade de suavizar o nosso choro.

Adoraria ser poeta. Mas como não tenho essa habilidade de transformar o meu sentir em palavras comoventes e universais, prefiro socorrer-me de três apaixonados pela Natureza que, melhor que eu, pensaram e reproduziram o seu sentir para nosso deleite.

No dia em que o homem compreender ser filho da Natureza, irmão dos bichos da Terra, dos pássaros do Céu e dos peixes do Mar, nesse dia ele compreenderá sua própria insignificância e, realista, será mais humano, mais simples e mais solidário. – Oscar Niemeyer

O Inverno ia terminar. Os ventos eram ainda frios, por vezes; a brisa quente da nova estação soprava bruscamente do sul e o céu tornava-se azulado; depois de um longo silêncio ouvia-se novamente o som das flautas e a música da aldeia. Os barqueiros deixavam ir os barcos ao sabor da corrente, paravam de remar e entoavam cânticos a Krishna. Era a Primavera. – R. Tagore.

Sou um guardador de rebanhos / o rebanho é os meus pensamentos / e os meus pensamentos são todos sensações / penso com os olhos e com os ouvidos / e com as mãos e os pés / e com o nariz e a boca. / Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la / e comer um fruto é saber-lhe o sentido. / Por isso quando num dia de calor / me sinto triste de gozá-lo tanto / e me deito ao comprido na erva / e fecho os olhos quentes / sinto todo o meu corpo deitado na realidade / sei a verdade e sou feliz. – F. Pessoa.

PCP

5 comentários:

maf disse...

PCP, que forma tão bonita como descreve o seu sentir a Natureza. Cada vez mais me convenço que nós somos parte integrante da natureza e que é possível e desejável amar a natureza. E quando a amamos, ela amano-nos de volta, ela responde-nos. Não com palavras, não com beijos, não com presentes, mas ela ama-nos através da serenidade que nos transmite, da beleza que espelha (essa beleza que você viu na suécia), dos alimentos que nos dá e sem os quais não sobreviveríamos. Obrigada por partilhar connosco as suas férias. Já agora, não lhe chamou a atenção o facto de tanta gente (raparigas novas, principalmente) andarem vestidas de preto ? :-)

Anónimo disse...

cara maf, muito obrigada pelo seu comentário. E sim, estamos de acordo no que toca à natureza. Já no que diz respeito às raparigas vestidas de preto ... confesso que não reparei. Reparei em Praga. Não em Estocolmo ... sorry. pcp

Anónimo disse...

Pêxêpê! Sortinha sentir a Natureza assim. E por lembrar esses escritores. Entusiasmei-me quando os anunciou e ansiei por Teixeira de Pascoaes. Li um conjunto de textos em sua homenagem e conheço quase nada a sua obra. Ainda é maior que o Pessoa...
DaLhe

Anónimo disse...

DaLhe - muito simpática, obrigada. De vez em quando entusiasmo-me e saem-me estes textos mais intensos ... quanto ao Teixeira de Pascoaes, vou-lhe confessar uma coisa: nunca li nada dele!!! Falha imperdoável. Mas vou ler. Sei, aliás, a quem posso pedir conselhos sobre a matéria. Obrigada pela achega. Bom f-d-s. pcp

JdB disse...

Nem eu PCP. Mas ando curiosa. Vou ver se apanho "São Paulo", uma das cinco biografias que escreveu. E colha esses conselhos para depois me dizer.

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