30 setembro 2014

Crónicas de um mestrando tardio (ou da dificuldade em ler poesia)

Aubade (1937)

Hours before dawn we were woken by the quake.
My house was on a cliff. The thing could take
Bookloads off shelves, break bottles in a row.
Then the long pause and then the bigger shake.
It seemed the best thing to be up and go.

And far too large for my feet to step by.
I hoped that various buildings were brought low.
The heart of standing is you cannot fly.

It seemed quite safe till she got up and dressed.
The guarded tourist makes the guide the test.
Then I said The Garden? Laughing she said No.
Taxi for her and for me healthy rest.
It seemed the best thing to be up and go.

The language problem but you have to try.
Some solid ground for lying could she show?
The heart of standing is you cannot fly.

None of these deaths were her point at all.
The thing was that being woken he would bawl
And finding her not in earshot he would know.
I tried saying Half an Hour to pay this call.
It seemed the best thing to be up and go.

I slept, and blank as that I would yet lie.
Till you have seen what a threat holds below,
The heart of standing is you cannot fly.

Tell me again about Europe and her pains,
Who’s tortured by the drought, who by the rains.
Glut me with floods where only the swine can row
Who cuts his throat and let him count his gains.
It seemed the best thing to be up and go.

A bedshift flight to a Far Eastern sky.
Only the same war on a stronger toe.
The heart of standing is you cannot fly.

Tell me more quickly what I lost by this,
Or tell me with less drama what they miss
Who call no die for a god for a throw,
Who says after two aliens had one kiss
It seemed the best thing to be up and go.

But as to risings, I can tell you why.
It is on contradiction that they grow.
It seemed the best thing to be up and go.
Up was the heartening and the strong reply.
The heart of standing is we cannot fly.

William Empson

***

Cocteau terá dito: sei que a poesia é indispensável, mas não sei a quê. W. H Auden, no seu poema In memory of W. B. Yeats, afirma: for poetry makes nothing happen. Uso as duas citações a título provocatório, porque a descontextualização das frases permite que se diga tudo de tudo.

O poema com que abro este post foi analisado ontem na minha aula de mestrado. Como bom aluno que sou, entretive-me no fim de semana a lê-lo e a estudá-lo. É um poema complexo, a que acresce a minha dificuldade em ler poesia. Assim, fui pesquisar possíveis traduções ou estudos sobre este Aubade (sim, este, porque existem outros). Encontrei um em inglês que dizia mais ou menos isto (e resumo de forma quase obscena): W Empson viveu no Japão e terá tido uma relação amorosa com uma japonesa, supostamente referida no poema. Há quem diga que esta rapariga / mulher era esposa de alguém (dando um carácter de ilicitude à relação), embora haja quem afirme que era uma rapariga que viveria com o Pai (um tipo diferente de ilicitude). Empson terá dito que a relação entre ambos poderia dar origem a casamento, o que acabou por não se verificar. O poeta terá ainda afirmado a alguém que havia na altura uma recomendação para os ingleses não casarem com japonesas, porque ambos os países entrariam em guerra nos próximos anos.

Lido o resumo e uma ou outra apreciação, algumas coisas do poema passaram a fazer sentido. Ora, na aula ninguém quis saber do enquadramento histórico do poema ou das possíveis afirmações do poeta, menos ainda da vida dele. Os intervenientes da aula divagaram pelas estrofes, descortinaram metáforas, descodificaram frases cifradas. O simples terramoto com que abre o poema poderia ser uma alusão a outra coisa qualquer, a casa na falésia um código para não sei o quê. Eu, quadrado e seco de criatividade, ative-me silenciosamente à explicação que tinha lido. Estava sozinho, encostado a um canto onde os outros meninos da aula me gozariam caso me atrevesse à dissonância. Calei-me prudentemente - e com uma certa dose de cobardia.

Não é a primeira vez que isto me acontece academicamente. O autor diz: “o cão ladra” ou “apanhei uma flor do jardim” e logo se levanta um bruaá de perplexidades e hipóteses díspares. Que o cão a ladrar é uma metáfora para a ingratidão da vida, a rosa no jardim não é mais do que a pequenez que somos face à imensidão do universo. Caricaturizo, óbvio. Mas será que um cão não pode ser um cão? E colher uma rosa de um canteiro tem forçosamente de ser mais do que uma actividade prosaica de fim de tarde? E o poeta, que já cá não está para dirimir a contenda, pode não ter querido dizer isso exactamente?

Terei sempre muita dificuldade em ler certa poesia. Talvez por isso me atenha à mais simples, onde o menino órfão é com certeza o menino órfão. O limite da minha inquietude reside na decifração da expressão freira absorta.

JdB

Nota: para os fiéis leitores que estranharem o último parágrafo, sugiro a leitura do meu post de 6ªfeira passada, dia 26 de Setembro 

3 comentários:

Anónimo disse...

Liberdade Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,

Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

Acc disse...

Que sorte poder ser tão abanado, Ter quem o desinstale.
Quantas vezes, em tempos de ajuste ao outro, ouvia frases como:
- a responsabilidade dos efeitos de qualquer frase é partilhada entre quem diz e quem ouve.
Ora bem!
Quem diz, pode referir se a um cão, quem ouve cumpre a triade do referente, objecto e interpretante, construindo todo um mundo complexo recheado de verdades irreais.
Os seus colegas viajam na maionaise e não será assim para todos nós?
Hoje está sol - digo eu quando me levanto.
E?
Sei que a sensibilidade e astúcia lhe favoreceriam a pena e que em 3 minutos construiria uma história.


aritnetoj disse...

Querido João,
Gostei dos seus desabafos, não se sinta tão deslocado e afirme-se perante esses psicanalistas baratos, essa sua visão mais objetiva faz-lhes muita falta e aposto que vão agradecer-lhe a ousadia...
Beijinhos

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