Como sabemos, com alguma fidelidade, o que fizeram as pessoas que não são do nosso tempo, nem do tempo de ninguém que possamos ter conhecido, por mais velho que seja? Por relatos escritos, normalmente. Fulano construiu, reformou, eliminou, conquistou, escreveu, pintou, destruiu, mudou. Há uma certa objectividade que não se questiona, independentemente de as acções terem sido em benefício próprio, da nação, da população envolvida ou simplesmente para satisfazer ganâncias ou desejos de poder e riqueza. A nossa História de Portugal está cheia de exemplos, dos reis aos navegadores, dos artistas aos médicos, dos militares aos inventores. A replicação para a história do mundo leva-nos quase ao infinito.
Por outro lado, como sabemos, com alguma fidelidade, como eram as pessoas que não são do nosso tempo, nem do tempo de ninguém que possamos ter conhecido, por mais velho que seja? Por relatos escritos, normalmente. Fulano era assim ou assado. Deixamos a objectividade do relato para alguma subjectividade do cronista. Não temos forma de saber se a Rainha Santa Isabel era agreste ou afável, se o Marquês de Pombal tinha sentido de humor ou não, se o Santo Condestável se tornou, de facto, num homem bom se não confiarmos no relato do historiador e na adjectivação que ela usa para caracterizar o objecto da crónica. É para isso que servem os adjectivos - para qualificar.
Na passada sexta-feita postei um texto do Cardeal Gianfranco Ravasi que refere, quase no fim: a figura de Jesus emerge na sua totalidade, aureolada pelo seu poder, certamente, mas também pela sua delicadeza e doçura misericordiosas (...). Dois nomes (delicadeza e doçura) e um adjectivo (misericordiosas) caracterizam de forma clara, ainda que eventualmente subjectiva, a atitude de Jesus, pelo menos naquele episódio específico. Num comentário particular alguém me escreve: será que esta ideia do Cristo bonzinho é autêntica? Eu, dos Evangelhos não retiro nenhum episódio de um Cristo amável, termo, doce. Pelo contrário, parece-me um homem corajoso, determinado, duro, amargo, sofrido com a estupidez humana, nada complacente, exigente (e para mim estes atributos são mais do que merecidos dada a condição humana) justo, a anunciar um Credo extraordinário, nada piegas (...)
Como sabemos se Cristo era amável, terno, doce, ou se Cristo era duro, amargo, nada complacente (a escolha algo antagónica dos adjectivos é propositada, para realçar a questão)? De uma forma tão objectiva quanto possível, lendo o que dele disseram os seus quase contemporâneos. A partir do Novo Testamento percebemos, não só o que Cristo fez, mas, também, a forma como o fez. Isto é, as palavras e os gestos.
Os Evangelhos de Lucas - e refiro Lucas porque é o evangelista deste ano C - relatam, segundo oiço, 18 milagres de Cristo. O que tiramos deles, muito embora Jesus tenha feito muito mais do que milagres apenas? Que adjectivos, ou outros recursos estilísticos, qualificam estes actos? Vemos coragem, determinação, dureza? Vemos amabilidade, ternura, doçura?
Deixo a pergunta no ar. Voltarei a este tema, tentando dissecar os 18 milagres do Evangelho de S. Lucas, e outros actos públicos de Cristo.
JdB
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