12 agosto 2016

Textos dos dias que correm

José Tolentino Mendonça lançou "Pequeno manual sobre a arte de viver" em Itália

"Liberiamo il tempo - Piccolo manuale sull'arte di vivere", que em português se poderia traduzir por "Libertemos o tempo - Pequeno manual sobre a arte de viver", é a nova proposta literária de José Tolentino Mendonça em Itália.

«Quantas vezes nos encontramos de acordo com lugares comuns como "precisaria de um dia de 48 horas". Duvido que seja exatamente isto que nos serve. A verdadeira sabedoria está em aceitar que o tempo não se pode estender» é uma das passagens da obra que a editora Emi destaca na sua página.

José Tolentino Mendonça, «escritor e teólogo de rara subtileza», lança um convite «à sabedoria que submerge na espiritualidade e na experiência», assinala a Editora Missionária Italiana que publica a obra de 64 páginas.

«Com a sabedoria do poeta e a profundidade do homem de fé, Mendonça acompanha-nos num intenso itinerário para nos reapropriarmos do nosso tempo, das nossas emoções e escolhas. Porque a arte de viver é a única tarefa que nunca se acaba de aprender», conclui a sinopse.

O volume é objeto de uma análise publicada hoje na página italiana Vatican Insider, pertença do diário La Stampa, pela jornalista Maria Teresa Pontara Pederiva, leiga, licenciada em Ciências Religiosas com tese em Bioética.



Habitar o presente para se reencontrar a si próprio
Maria Teresa Pontara Pederiva
In "Vatican Insider"

O tempo: um limite ou um recurso. Qualquer que seja a resposta, as horas, os dias e os anos são parte integrante da experiência humana, tanto que Notker Wolf, abade primaz dos Beneditinos, escrevia «o tempo é vida». A alternância do dia e da noite, o ritmo das estações articularam a existência durante séculos, delimitando o tempo do trabalho e do repouso, o tempo do homem e o de Deus.

Mas é igualmente verdade que o homem moderno deixou de ter aquele que se poderia definir como uma boa relação com o tempo. Os nossos estilos de vida parecem irremediavelmente contaminados por uma pressão fora de controlo, sempre na perseguição de metas a alcançar no mais breve tempo possível, ao ponto de que até os sentimentos se arriscam a revelar-se um desperdício de tempo. E ninguém tem hoje tempo "a perder". Vinte e quatro horas ligados, sem mais distinção entre tempo de trabalho e tempo dos afetos ou das férias, vivemos, perenemente controlados, numa espécie de "open space", privado de paredes e margens, os dias divididos pela agenda e a ansiedade de se sentir, desde o acordar, constantemente atrasado.

«Quando os acontecimentos se sucedem demasiadamente rápido, ninguém pode estar seguro de nada, absolutamente de nada, nem sequer de si próprio»: escrevia-o Milan Kundera no seu ensaio sobre a lentidão. Daqui as reflexões contidas no novo livro de José Tolentino Mendonça que, depois de nos ter guiado para uma espiritualidade do tempo presente (cf. "La mistica dell'instante. Tempo e promessa", Vita e Pensiero, Milão, 2015), oferece agora um «pequeno manual da arte de viver». Melhor.

Quem pode afirmar que nunca exclamou, suspirando, «gostaria de um dia mais longo» ou «precisaria de mais tempo»? «Duvido que seja exatamente aquilo que nos serve», afirma o teólogo português.

Porque a verdadeira sabedoria está em aceitar que o tempo não se pode estender, que é incrivelmente breve e que, precisamente por isso, deve ser vivido com equilíbrio. Mas a gestão do tempo, sobretudo hoje, num mundo que lhe perdeu o sentido, a par do de viver, é percurso totalmente a aprender. E avançando nos anos, cada vez mais difícil.

Porque o exercício de interromper um trabalho para passar ao tempo do repouso comporta uma prova de afastamento e de pobreza que nem sempre somos capazes de aceitar. O inacabado tem o rosto da vulnerabilidade, e todavia faz parte da experiência e da caducidade, humana.

Em geral estamos dispostos (e não é assim tão certo) a agradecer por aquilo que recebemos, do dom da vida ao das pessoas queridas, esquecendo a importância de quando não nos foi dado. Em vez de nutrir ressentimento e nos confrontarmos com os outros, acreditando que somos vítimas de injustiça, olhemos para o não dado como para uma oportunidade. Tudo o que temos pode desaparecer num instante, e o que fica? Nada mais do que os nossos recursos interiores.

Um exemplo? Um momento de espera surge-nos, normalmente, como um peso morto de que é preciso libertar-se rapidamente (na fila para um balcão, na paragem de autocarro ou metro). Mas esperar não é necessariamente um perder tempo: muitas vezes é o contrário porque poderia revelar-se uma ocasião para aquela reflexão que nos faltava, para uma resposta que adiámos para dar espaço ao trabalho. Quem não conhece a espera para a satisfação de um desejo, também não sabe o seu significado ou a alegria de ver despontar uma flor dias e dias após a sementeira.

E poderemos ser capazes de perdão, de perseverar nas nossas convicções morais, de partilhar a alegria e as lágrimas do próximo porque tudo nos surgirá como «arte» a aprender, na consciência não de perder tempo, mas que ele valha a pena.

Se o tempo presente representa algo a gerir, e não um tirano a quem responder, tornar-se-á experiência normal dar-se conta de que já não estamos sós, indivíduos numa selva de estranhos em competição. Empregar o próprio tempo na "com-paixão", na escuta do outro, na partilha de um momento de alegria que «irrompe na nossa vida quando aceitamos construir a existência como prática de hospitalidade» é já dizer-nos a caminho da felicidade. Não aquela efémera da publicidade ou do dia a dia, afogada no fim de contas na procura de uma visibilidade sem a qual acreditamos que não podemos existir, mas aquela humilde e duradoura que, distante da inveja para com a (presumida) fortuna do próximo, nos liga intimamente ao bem.

Prontos também para o tempo da dor e da separação, que chega para todos, ninguém excluído. Mas se preparados, nada nos poderá abater, convicto de que «à beira do fim, há sempre muito que começa».


Crítica: "Vatican Insider" 
Trad.: Rui Jorge Martins 

Sem comentários:

Acerca de mim

Arquivo do blogue