Correm imagens, na internet, nas páginas dos jornais, na televisão, o quadro da tragédia é observado, lucidamente, passionalmente, de cada ângulo. Acontece sempre assim, numa sociedade em que a comunicação, por vezes bisbilhoteira, superficial, insinuante, é muitas vezes manifestação de resistência, informação, apelo às consciências, poderosa quanto as forças sísmicas.
Redes sociais e meios de comunicação manifestam uma magnitude igual, e talvez superior, à dos 6,5 da Escala de Richter. Não nos restituem a vida, não fazem renascer as casas, as coisas com que vivíamos e que são fruto do labor e sede de afetos e memórias, a cama, a mesa, a cozinha, as paredes… Mas lançam-nos na realidade agónica, e portanto dolorosa e combativa, permitem-nos e sugerem-nos participação.
Neste rio de imagens e palavras, uma pergunta: de onde vem esta gente? Os sobreviventes, os que vivem agora em abrigos, os ceifados pela perda de filhos, mulheres, maridos, pais, amigos? Como fazem para conseguirem estar tão quentes e ao mesmo tempo sóbrios, estoicos, a sofrer e a controlar a dor para resistir à morte, à cegueira do sismo, à face cruel e desesperante do mistério mágico do mundo.
Depois aparece o pai de Giorgia, de quatro anos, rastreada, ela e a família, por um cão da equipa cinotécnica da polícia e resgatada pelos bombeiros, 16 horas após ter sido soterrada, na sequência de demorada escavação apenas à força das mãos. Vimo-la nos braços daquele que o jornalista corretamente define como seu socorrista, mas que nós sabemos ser seu salvador.
O seu rabo-de-cavalo depressa se torna símbolo da vida que continua. E o pai, entrevistado depois, lágrimas contidas, dor intensa e composta, agradece o destino que lhe salvou a vida da filha. Que sorte… Mas a outra, sugere timidamente a jornalista… Infelizmente a outra menina, a irmã de 10 anos encontrada sobre o corpo de Giorgia para a proteger… Não ousa continuar. Ele olha, ele e todos nós nos olhos, vemos os seus olhos como quando o divino possui um homem, um divino não antigo, um divino moderno, do pós-calvário, manso e bom antes de ser poderoso: infelizmente ela não conseguiu, responde. Como pensando que foi justo assim, em vez de uma agonia e um futuro de enfermidade.
Alguém nos protege, lá em cima. Protege os dois, aquela que milagrosamente foi salva e aquela que partiu. O vivo e o morto. Estou confundido e maravilhado pela forma como, numa tragédia e no pranto, olhando para um telejornal, repentinamente nos surge, manso e flagrante, o heroísmo e a santidade dos humildes.
A partir de texto de Roberto Mussapi
In "Avvenire"
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado aqui em 26.08.2016
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